Andréa Manfredi da Costa
Isadora Remundini
Marina Casadore Bianchi
Pollyanna Souza Menegheti
John K.Thornton- historiador estadunidense dedicado aos estudos da chamada diáspora africana - inicia sua abordagem da cultura Afro-americana afirmando-a enquanto elemento de maior homogeneidade, frente ao conjunto das diversas culturas africanas, visto que aqui conviviam etnias que se encontravam apartadas no outro continente.
O trabalho é fundamentado no conceito de cultura e, essencialmente, no conceito de dinâmica cultural; o primeiro termo, entendido em sentido lato como o conjunto de elementos em uma dada sociedade, tal qual o parentesco, a arte, a linguagem, a formatação política, a religião ou a estética; o segundo, como as transformações às quais estão suscetíveis estes elementos e que se dão de duas formas: 1) Ocasionadas por modificações na dinâmica interna 2) Ocasionadas pela interação com outras culturas.
Lançadas as bases de sua análise, Thornton se vale da apreciação das vivências culturais no continente africano e na transposição desta cultura para o mundo atlântico, formando assim, uma compreensão balizada, simultaneamente, pela amplitude do modelo teórico, mas sustentada pela apreciação das relações específicas entre as culturas, em menor escala – o que pode ser notado no seguimento do texto em que avalia as interações culturais no âmbito da linguagem, da estrutura social e da estética.
No que concerne à questão da linguagem, o autor afirma que a mesma, a partir do contato com povos europeus, não só no novo mundo, mas no próprio território africano, sofreu modificações e variações, tendo que se adaptar de alguma forma para que houvesse o mínimo de comunicação entre povos africanos de diferentes nações, e dos mesmos com os europeus. Dentre todos os elementos culturais, a linguagem é o mais estável, mesmo assim, o conjunto de línguas africanas foi o mais frágil para sobreviver e se desenvolver no novo mundo. As línguas africanas desapareceram, sendo substituídas por uma língua crioula, ou por uma forma adaptada da língua européia. Isto pode ser explicado pela “arbitrariedade essencial das línguas”, ou seja, quando muitas línguas que não se assemelham em estrutura e vocabulário, o resultado provavelmente será o nascimento de uma língua franca, para que cada indivíduo precise aprender apenas uma segunda língua para se comunicar.
No que diz respeito às formas de preservação da língua o autor destaca o canto, já que os escravos, muitas das vezes, cantavam em suas próprias línguas. A música era uma forma de expressão de um nacionalismo que, de certa forma, provocava orgulho e não exigia esforço de aprendizado. Com isso, percebe-se que as línguas africanas sobrevivem até hoje no Caribe e no Brasil, por exemplo, no contexto da música e de cânticos religiosos.
Muitos antropólogos enfatizam a perda da cultura africana durante a travessia atlântica, bem como a desestruturação das organizações sociais por meio de parentesco. Thornton acredita que conferir muita atenção à questão dos laços de consangüinidade nas relações sociais é ser limitado. Segundo o autor, havia, na África, muitas formas de organização pessoal sem referência a parentescos ou laços consangüíneos, sendo que o exército pode ser considerado o maior exemplo disto, visto que estes eram organizados como unidades corporativas, não se restringindo a laços familiares. Além de organizações de cunho político, as organizações religiosas também não tinham limites impostos pela questão do parentesco. Sendo assim, quando os africanos desembarcam no outro continente, como escravos, as organizações baseadas nesses modelos africanos deram manutenção a essas estruturas sociais, que conseguiram, assim como a linguagem, sobreviver fora do continente africano, mesmo que de forma modificada.
De todos os elementos da cultura, a estética apresenta-se como o mais instável. Porém, no mundo atlântico os elementos culturais africanos foram os que mais resistiram, como, por exemplo, a música e a dança africana que exerceram importante influência na musicalidade afro-americana. No processo de transferência e de transformação de estéticas africanas na América, é importante considerar as condições de trabalho dos escravos, já que nem todos eram qualificados para realizar trabalhos mais complexos e também havia algumas matérias-primas que não estavam disponíveis.
No mundo atlântico o contato de diversas culturas possibilitou misturas de estéticas. A estética não é rígida como a linguagem e pode incorporar novos elementos sem prejuízos. Geralmente as pessoas são bastante flexíveis em adotar elementos estéticos diferentes. Esse contato gera um processo de troca, mesclando tradições estéticas entre africanos e europeus.
Thornton acredita, portanto, que no mundo atlântico a cultura africana não apenas sobreviveu intacta em alguns traços, mas permaneceu, justamente devido à sua flexibilidade e capacidade de adaptação, sendo capaz de influenciar também a cultura atlântica. Sendo assim, conclui-se que o cerne da questão proposta pelo autor é a natureza da interação cultural e a transformação dos elementos africanos para se adaptarem às novas condições impostas pelo mundo atlântico.
THORNTON, John. As transformações da cultura africana no mundo atlântico. In: _______. A África e os Africanos na formação do mundo Atlântico (1400-1800). Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 279-311.