Marcos Paulo Rocha Fernandes
Matheus Barbosa de Oliveira
Brasil, finais do século XIX: o Império sucumbe, instituí-se a República. De lá, até o início do século XX, ganhariam força as teorias racialistas europeias, adaptadas e ressignificadas de acordo com a realidade e necessidade. Com o aval do discurso científico, acabar-se-ia por naturalizar a questão da desigualdade. Se com a abolição da escravidão, as ponderações legais não mais surtiam efeito, restava então apelar à diferença teórica. Nas faculdades de Medicina e Direito, fixadas no nordeste e sudeste do país, através do evolucionismo e darwinismo social, os homens de ciência pensariam os problemas e possibilidades sociais decorrentes da miscigenação: da problemática mistura das raças. A elite passaria, assim, a estudar as teorias racialistas e pensar o futuro do país. Quais perspectivas teriam uma gente escurecida, enegrecida? Como evoluir uma nação com tais características? Não agradava às “pensantes mentes” brasileiras o habitar neste imenso laboratório da mistura racial. Para eles, o atraso social e político revelava a fatal consequência daquele cenário, e o branqueamento seria talvez uma solução possível. Os perigos da miscigenação estavam demonstrados e, para alguns, a impossibilidade de uma cidadania universal parecia ser mais que evidente. Ocorre que, discutindo a raça, deixava-se de discutir o indivíduo. E assim renunciava-se à reflexão sobre a cidadania. Com a sobreposição da discussão racial e das teorias a ela ligadas, deixou-se de discutir a igualdade, abrindo-se espaço à reafirmação das diferenças.
Apenas na década de 30 do século XX a miscigenação deixaria de ser a grande mácula da nação. Aspectos positivos seriam a ela atribuída quando então passaria a representar justamente a marca do brasileiro. O imaginário transformava-se lentamente, mas as marcas ressoariam profundamente em nossa maneira de pensar a cor. A naturalização da desigualdade não seria transplantada com facilidade. Uma estranha ideia de “democracia racial” foi entre nós estabelecida por mais que ainda hoje um homem seja beneficiado por conta da cor de sua pele. O discurso de aceitação e harmonia ainda reverbera mesmo que no cotidiano diversos fatos demonstrem o inverso. O racista cordial não se expõe, mas, em ambientes não públicos, parece sempre pronto a aflorar suas concepções arraigadas. As piadas estão aí para nos demonstrar tal fato: deprecia-se a cor negra em tom jocoso, sarcástico. Recorramos à pesquisa dirigida por Lília Schwarcz: 99% dos entrevistados assumidamente não racistas – que representam o percentual de 98% do todo – disseram conhecer um racista.
E se no início no período republicano tal problemática não fora discutida, ainda hoje parecemos preferir trilhar o mesmo caminho. No entanto, como justificaremos a desigualdade racial sem o antigo apoio da ciência? Se antropologia nos oferece material suficiente para descartarmos a existência de raças – já que constituímos a raça humana, una –, de que forma explicaremos o fato de um negro ainda constituir-se como um réu em potencial justamente por conta de sua cor? No que tange a marginalização, basta que visualizemos a quantidade de alunos negros inseridos no ensino superior, principalmente no público. Como brasileiros, parecemos conceber o importante legado de benfeitorias que a cultura de origem africana nos ofereceu como a culinária, a música, as danças, os rituais e expressões linguísticas. Contudo, precisamos de fato ir mais a fundo na discussão do mito em questão para que enxerguemos este racismo “jogado debaixo do tapete”; escondê-la ou mascará-la realmente não é a melhor e mais eficaz das opções.