Jéssica Abud de Souza
Larissa Forner
Vinicius Fattori
Paulo Scurato
Nas páginas introdutórias de seu livro Escravidão e Morte Social, o pesquisador Orlando Patterson procurou expor uma
definição preliminar acerca da escravidão. Para isso, o autor recorreu a
autores como Weber e Marx, o que motiva comentários iniciais quanto às ideias de Weber sobre o poder e suas relações. Grosso modo,
podemos classificar o poder enquanto expressão da Tradição, do Carisma e/ou da
Burocracia, cujas naturezas são, respectivamente, o respaldo patriarcal e
político, assim como a autoridade instituída. A escravidão é uma forma de
relação humana que, por sua vez, se estrutura e se define pelo poder envolvido
nesta interação entre senhores e escravos. Ela é, sobretudo, uma relação de
dominação, como salienta Marx.
Patterson
arrolou três facetas ao conceituar as relações de poder: a social, a
psicológica e a cultural da autoridade, sendo que cada uma delas possuía
características singulares; fato este que não impede que as mesmas estejam
inter-relacionadas. A primeira característica – e que se ligava à faceta social
– diz respeito ao caráter incomum dessa relação, dada a intensidade de poder
envolvido e as “qualidades da coerção” que a mantiveram e reproduziram: a força
organizada e a autoridade, pelas quais o uso da violência bruta poderia ser
reduzido, porém nunca desconsiderado. Isso porque a base da relação entre
senhores e escravos era necessariamente a violência, elemento que tornava o
cativo dependente de seu senhor e impotente quanto a outro indivíduo de sua
mesma condição.
A segunda característica – e que se ligava à faceta cultural da
autoridade – provocou o desenraizamento do escravo. Sua condição sempre teria
sido justificada como um meio de suspender temporariamente a morte, mas ela apenas
o deixava como um ser socialmente morto (esfacelamento do sujeito), uma vez que
a dependência integral ao proprietário o tornava uma não-pessoa à qual estava
vedado qualquer direito e obrigação para com seus ascendentes e descendentes. Além
do isolamento das relações culturais e da herança social, havia ainda a recusa
formal em reconhecer os laços firmados entre os escravos, apesar de eles ocorrerem.
O medo das separações forçadas era, então, constante e se tornou uma ameaça
eficaz praticada pelo senhor, configurando-se também como uma forma de
violência (força coercitiva) que transcendia qualquer tipo de castigo corporal. Segundo
Patterson, a alienação de grupos e localidades foi outra forma de provocar o
desenraizamento. Tal condição teria sido sustentada porque o senhor detinha o
controle de instrumentos simbólicos suficientemente capazes de levar todos a
acreditarem que era esse o único meio possível de se organizar a realidade
social: os instrumentos físicos de controle e punição dos corpos tinham,
portanto, tais simbolismos como correspondentes culturais.
A
terceira característica – e que se ligava à faceta psicológica – tratou da
honra. Só possuía honra quem tinha valor público a defender e ser defendido por outrem; e os escravos, como criaturas sem poder ou existência social
independente, se tornavam pessoas desonradas frente a seus senhores. Outra
consequência dessa situação é que a mesma teria levado os cativos à submissão
consentida, e à culpabilização de si próprios – a ideia de que sua condição era
merecida. Sendo,
porém, uma relação dialética, envolvendo poder e impotência, era possível que
ocorressem reinvenções e inversões da relação de poder, tornando assim os
senhores totalmente dependentes de seus escravos, sendo possível até mesmo que
estes viessem a desonrá-los através, por exemplo, de condutas públicas
consideradas indevidas. Estas são formas de resistência e retomada de “poder”,
mesmo que tal quadro viesse a ser contornado pelos sempre ativos instrumentos
culturais dominados pelo senhor, que reafirmavam a realidade que se pretendia
negar.
A objeção que fica é justamente quanto à tentativa homogeneizadora de
Orlando Patterson em conceituar a escravidão ao longo dos séculos, buscando seu
“sentido geral em todos os tempos” e dando menor relevo às condições históricas
específicas de cada período concebendo-a enquanto "dominação permanente e violenta
de pessoas desenraizadas e geralmente desonradas”.