segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Sem Título


Tatiana Milanello
Olinda Scalabrin
Samuel Santana


De acordo com o texto “Povos em Contato – comércio, poder e identidade” de Marina de Mello e Souza, correspondente ao capítulo III da obra Reis Negros no Brasil Escravista. História da Festa de Coroação de Rei Congo, podemos destacar alguns elementos fundamentais de análise. O primeiro deles, apresentado por uma ampla bibliografia, mas aprofundado neste, é o fato de que a escravidão africana já existia antes da chegada dos europeus à África. O texto descreve com bastante minúcia como o tráfico de escravos do Atlântico pode ser caracterizado, de modo geral, como o desenvolvimento de uma nova rota de tráfico, como complementação das que já existiam dentro do continente africano. A autora destaca que a economia européia e das Américas - que dependia do comércio de escravos – teria alcançado tamanha amplitude sem que houvesse o impulso que as nações africanas deram ao vender grande quantidade de escravos para as caravanas.
Mello e Souza demonstra que os portugueses faziam acordos comerciais com povos africanos que, em certa medida, ganhavam destaque e prestígio frente aos vizinhos ao aceitarem alianças com europeus, tanto por poderem adquirir objetos que representavam poder como armas, ferramentas e novos conhecimentos, como pela aliança em batalhas entre povos e segurança. Esses acordos eram vantajosos para as duas partes, uma vez que os europeus poderiam comprar muitos escravos e catequizar os nativos; como ressalta autora, “como em todos os lugares de colonização portuguesa, a Cruz e a Coroa estiveram sempre juntas, defendendo os interesses da fé e do reino.”
Essas trocas e acordos, contudo, nem sempre foram pacíficas e imediatas, segundo a autora, a oscilação entre indecisões, mudanças de aliados e conflitos, foram comuns até meados do século XVII. O caso da rainha Njinga, destacado pela autora, auxilia na compreensão deste processo. Njinga era descendente de dois povos de formação da população de um reino na atual Angola, uniu os ambundos e os jagas. A rainha, quando jovem, se converteu ao catolicismo, mas assim que assumiu o poder, sob circunstâncias controversas, passou a oferecer séria rejeição aos portugueses, voltando-se à religião de seus antepassados e à cultura destes, motivo pelo qual, além de ser a primeira mulher rainha, neste contexto, Njinga se destacou, ganhando poder frente a outros povos locais. Um detalhe importante é que mesmo não mantendo aliança com o governo português, o tráfico de escravos permaneceu entre a rainha e o comércio existente com traficantes privados. Essa é outra característica comum e repetida entre os africanos neste período, como afirma Mello e Souza.
Devido à invasão dos holandeses ao nordeste do Brasil, estes também invadiram a costa de Angola, com a finalidade de obter acesso ao tráfico de escravos. Portugal nesta época, 1640, volta-se para a reconquista do território. Derrota a rainha Njinga, que após esta perda, passou a adotar o catolicismo novamente, chegando mesmo a pedir que missionários fossem a seu reino para a catequese. Contudo, Njinga entrou para a memória do povo daquela região como o símbolo da resistência ao poderio e influência estrangeira.
            A segunda parte do texto trata de forma mais direta os elementos fundamentais do escravismo africano. A autora destaca que entre os africanos a escravidão era algo cultural, presente entre as diversas tribos. As relações de poder não se davam pela posse de terras, mas pelas linhagens familiares que compunham o grupo. Assim, uma pessoa que se tornava escrava, mesmo que fosse da tribo, deixava de ser parte desta, mas era agregada à linhagem, aumentando o prestígio de seu senhor, que era proporcional ao número de escravos que possuía – característica semelhante, inclusive, com a escravidão brasileira – assim como o papel de propriedade para os europeus.
            As formas de se tornar escravo eram diversas. A guerra entre tribos era a principal, mas também poderia acontecer por dívidas, por venda de si ou dos filhos, ou mesmo pelo sequestro. Por mais que fossem diferentes as formas de se tornar escravo, uma vez feito, o indivíduo não mais pertenceria a sua comunidade tribal, a não ser como linhagem.
            A autora defende que o tráfico atlântico não foi o motor do interno continental, mas apenas uma nova rota. A demanda de escravos era distinta das outras rotas, sendo que mesmo com a intensificação da busca por cativos, as vendas eram feitas de diversas formas, atravessando diferentes compradores antes de chegar ao porto. O testemunho de um escravo alforriado nos Estados Unidos descreve e resume bem o processo. Feito cativo quando criança junto de sua irmã, preso por dois homens e uma mulher, enquanto os pais trabalhavam na lavoura, acabou passando por diferentes donos, a ponto de aprender três línguas distintas.
            Por fim, o texto trabalhado fornece um panorama geral do tráfico de escravos na África centro-ocidental, buscando definir as bases e principais características deste, de modo a salientar a relação empreendida entre os povos africanos e europeus – especialmente os portugueses.

A África Escravocrata


Carlos Henrique Genova
Carlos Manoel Vaz Jr.
Felipe Faulin Valentin
Lucas Ribeiro
Marcos Felipe Godoy


O texto trabalha com a ideia de que a entrada dos portugueses na região do Congo, mais especificamente em Ngola, dependeu de jogos políticos entre os chefes da região, em detrimento da violência com a qual imagina-se que os europeus adentraram o território africano. Desta maneira, tendo como exemplo o caso princesa Njinga, que, inclusive, chegou a formar alianças tanto com os lusitanos quanto com os holandeses, os ibéricos também trabalhavam no sentido de catequizar a população nativa, empreendendo, portanto, a política da “cruz e da coroa”, ou seja, a colonização auxiliada com a religião.
Outra questão que Mello e Souza aborda é a da já tácita ignorância com relação à existência de escravidão no continente negro. Na África, ao contrário do que se acredita, também havia sociedades escravocratas. A não-existência da noção de propriedade privada entre os africanos contribuía para que determinado clã fosse respeitado a partir da quantidade de escravos que ele possuía. O sistema de linhagens, que podia incorporar um desses trabalhadores à família que dele era proprietária, ajudou na complexidade do sistema, com a escravidão sendo importante elemento para determinado clã, que adquiria força dependendo do número de escravos que somava.
Novamente, assim como a noção que temos de que a violência foi a marca mais impressa pelos portugueses para a entrada na África, noção esta que ignora os acordos políticos, a empreitada escravista assistia à presença européia quase que toda restrita ao litoral, local de onde, depois de receberem homens capturados quase que exclusivamente pelos próprios africanos no interior, mercado este auxiliado pelo surgimento de sociedades especializadas na captura, partiam os cativos, mais notadamente ao Brasil, onde a agricultura começava a se expandir e era em boa parte dependente da mão-de-obra negra para se desenvolver cada vez mais.
Concluindo, a contribuição do texto passado é a de desmistificar algumas afirmações que partem do senso-comum. Assim, as noções de violência levada pelos europeus à Africa, o que dá a entender que o continente antes vivia sem guerras, e de escravidão pré-existente, desconhecida por boa parte dos brasileiros, já eram questões corriqueiras no continente negro. Afinal, segundo a autora, as estruturas políticas já existentes somente se adaptaram às novas, dos europeus.

domingo, 16 de setembro de 2012

A escravidão no advento da modernidade


Aline Ribeiro de Barros
Carla Alexandra Passalha
Cristiane Maria de Lima Curtolo
Rosangela Silva Rezende

Conforme aborda o historiador britânico Robin Blackburn, na sua obra “A construção do escravismo moderno no Novo Mundo”, o sistema escravista que se desenvolveu nas colônias da América se configurou de maneira inovadora, quando comparado às formas de escravidão anteriores, mesmo apresentando alguns aspectos de uma configuração tradicional. Nesse sentido, o autor busca analisar em sua obra a constituição dos sistemas europeus de escravidão implantados nas colônias americanas, assim como também objetiva melhor compreender a relação existente entre a escravidão e o advento da modernidade. 
Segundo Blackburn, a escravidão moderna foi majoritariamente fomentada e regulamentada pelos comerciantes de escravos e pelos colonos que faziam uso desse tipo de mão de obra, se opondo à ideia equivocada de atribuir ao estado as responsabilidades sobre tal comércio, ou seja, a sociedade civil colonial que estabelecerá as regras e costumes no que tange a escravidão e ao estado será atribuído o dever de dar legitimidade a tais regras e costumes, no sentido de respaldar legalmente o que já se foi convencionados pela sociedade civil.
Na busca de compreender a configuração do que intitula de escravismo moderno, Blackburn destaca o fato de o sistema escravista europeu aplicado às Américas ter adquirido um caráter intensamente comercial, o que fez com que o comércio atlântico se transformasse na mola propulsora das trocas globais entre os séculos XVI e XIX. Conforme enfatiza o autor, esse caráter extremamente comercial que a escravidão no Novo Mundo passa a ter é um aspecto que a diferencia da antiga: “Pode-se dizer que muitos escravos romanos foram vendidos por terem sido capturados, enquanto muitos escravos africanos que alimentaram o tráfico atlântico foram capturados para serem vendidos.” (BLACKBURN, 2003, p. 23).  Haja visto, o desenvolvimento notável do sistema de plantations no Novo Mundo, que de início baseou-se na mão de obra indígena, sendo esta rapidamente substituída por milhares de africanos que passaram a sustentar o sistema colonial desempenhando tanto funções braçais árduas quanto de supervisão.
Nesses aspectos, o autor considera que a escravidão nas Américas se deu de maneira bem menos diversificada se comparada a escravidão no Velho Mundo, em se tratando do tipo de atividade exercida e da sua composição étnica. No entanto, como o mesmo menciona a escravidão americana não só apresenta características inéditas, assim como é associada a vários processos que integram a modernidade, tais como:

(...) o crescimento da racionalidade instrumental, a formação do sentimento nacional e do estado-nação, as percepções da identidade baseada na raça, a disseminação das relações de mercado e do trabalho assalariado, o desenvolvimento das burocracias administrativas e do sistema moderno de impostos, a crescente sofisticação do comércio e das comunicações, o nascimento das sociedades de consumidores, a publicação de jornais e o início da publicidade impressa, a “ação à distância” e a sensibilidade individualista. (BLACKBURN, 2003, p. 16).  

Para Blackburn, o elo entre a modernidade e a escravidão enfatiza o lado obscuro do progresso, já que a escravidão moderna se configurou como destrutiva e desumana, pois “a dinâmica espantosa da sociedade civil também é impregnada de desastres e violência injustificada.” (BLACKBURN, 2003, p. 19).  
No que tange a América espanhola, segundo o autor, o estado colonial teria um papel mais amplo e controlador, o que veio a restringir o desenvolvimento da escravidão nas plantations, ao passo que no Brasil português, o estado se mostrava menos regulador, permitindo um desenvolvimento maior desse comércio. Este que seria ambicionado por outras nações europeias, tais como França, Holanda e Inglaterra.
Nesses moldes, a escravidão passa a constituir um rentável negócio, no entanto, mais que um negócio, se configurava como uma instituição, um sistema destrutivo e opressor, “mas que veio a exibir a rotina comum de uma empresa” (BLACKBURN, 2003, p. 23), que se embasou na coerção e na manutenção da ordem lançado mão de maus tratos frequentes que além de punições, tinham também um caráter disciplinar e pedagógico.   
O viés racial da escravidão do Novo Mundo ganha espaço na medida em que comerciantes e colonos passam a utilizar teorias raciais como explicação para a escravidão. Os cativos não eram considerados membros do Estado, por isso adquiriam a nacionalidade de seus proprietários. Dessa forma, para os europeus do início da era moderna, aqueles eram considerados selvagens que precisavam ser domesticados e ter sua identidade naturalizada, o que demonstra o intuito, ao menos em tese, civilizatório nessas ações.
Com base nesses pontos a serem trabalhados pelo autor, Blackburn afirma: “A conjunção de modernidade e escravidão é estranha e desafiadora, já que o elemento mais atraente da modernidade sempre foi a promessa de maior liberdade pessoal e auto-realização”. (BLACKBURN, 2003, p. 32).  Assim, segundo análises do autor, ao mesmo tempo em que a escravidão esta intimamente ligada a elementos da modernidade, essa forma de exploração de mão-de-obra, ocorrida e aprimorada no Novo Mundo, acaba por ocorrer concomitantemente às promessas de liberdade e igualdade em franca ascensão no período. Desta forma, a escravidão se torna integrante da modernidade, na medida em que será a força motriz da economia, que por sua vez, trouxe o desenvolvimento e o ‘progresso’ para o Ocidente europeu.
Desta maneira, pode-se concluir que a introdução do livro “A construção do escravismo no Novo Mundo: 1492-1848” suscita a questão de que a história da modernidade é construída com base em relações sociais desiguais, assim como enfatiza Orlando Petterson na sua obra “Escravismo e Morte Social: um estudo comparativo”:

A escravidão é uma das formas de relação de dominação mais extremas, tocando os limites de poder total, do ponto de vista do senhor, e de impotência total, do ponto de vista do escravo. No entanto, difere de outras formas extremas de dominação em aspectos muito específicos. (PATTERSON, 2008, p. 19).  

Nesse contexto em que a escravidão se adentra a modernidade novas formas de representação e expressão surgem no sentido de se apreender tal realidade. Nesse sentido, um novo estilo artístico, o barroco, buscará criar e propagar “uma visão controlada e santificada da sociedade civil” (BLACKBURN, 2003, p. 36). No entanto, o barroco surge como uma expressão oriunda da alta sociedade civil, sendo assim, tal estilo artístico acaba por ser aceito como uma cultura oficial, ao passo que, o crioullo, um outro tipo de representação da sociedade escravista, vem contrapor essa dita ‘cultura oficial’, e por ser expressão de classes populares, acaba por criar o que a grosso modo, pode ser chamado de cultura popular.
Segundo Blackburn, o barroco procurou dar uma visão harmônica da sociedade escravista, no entanto, aos poucos, elementos crioullos vão sendo a ele incorporados de tal maneira que no ponto de vista do autor, a versão colonial do barroco antecipará elementos do crioullo, que por sua vez, se afastará dos modelos europeus, adquirindo em geral um caráter sincrético e popular.
Mediante tais discussões, ao fim de seu capítulo introdutório, o autor enfatiza o fato de milhares de escravos africanos terem sustentado o desenvolvimento europeu, não só com o seu árduo suor, mas também com seu próprio sangue: “Mas era este o preço inevitável e ‘necessário’ do avanço econômico?” (BLACKBURN, 2003, p. 39).  Nessa perspectiva, o autor afirma que, se foi mesmo um preço necessário a ser pago, ao menos deveria parecer justo, no entanto, os danos humanos causados pela escravidão são, até hoje, sentidos pela sociedade.

Texto: BLACKBURN, Robin. Introdução: Escravismo e modernidade. In.: A construção do escravismo no Novo Mundo. Trad. Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 13-44.

Modernidade: Escravidão?


 Amanda Peruchi
Felipe Barbosa Pagliuca
Magda Willian Semprini
Natália Bonfim

O termo “raça”, atualmente, está preso a uma extensa discussão do seu significado e da sua representatividade nas manifestações sociais. Uma discussão que gira em torno de seu caráter biológico e filosófico, sendo que há, ao mesmo tempo, situações de aproximação e distanciamento de suas características. Para a Ciência Biológica “raça” representa uma distinção entre o próprio homem a partir de traços genéticos e, ainda, foi utilizada para justificar e atender a determinadas atitudes contra o Homem. A partir da teoria da seleção natural observamos que houve a sua readaptação para justificar a seleção social que teria estabelecido a sobreposição de um grupo sobre outro e “permitido” a distinção das “raças” humanas. Considerando esta questão, devemos entender o termo de acordo com o seu contexto histórico e as diversas relações sociais estabelecidas, que atribuem, a cada momento, uma nova significação para o mesmo termo.
Temos que considerar a definição de “raça” para o Homem a partir das relações que expressam um modus vivendi e tentar expandir o seu significado para uma questão filosófica que, utopicamente, estabeleça uma desestruturação da diferença a partir de uma definição puramente biológica para, então, compreendermos nas Ciências Humanas a apropriação deste para a justificação de uma sociedade.
Aprofundando esta questão, tomamos como ponto de partida a análise do historiador Blackburn a respeito da escravidão na modernidade e das relações que estes dois conceitos exprimiram na Era dos Impérios. Com base em sua teoria, a escravidão não foi algo atípico dentro da modernidade, visto que, desde o Mundo Antigo já era uma constante, sendo, na América instituída de uma maneira diferente.  Com a modernidade a escravidão parece ser um problema moral, no entanto, neste momento, a própria modernidade justificava a escravidão, caracterizando-se como uma questão dialética – uma dependente da outra.
Representando a própria modernidade a escravidão era a “corner-stone das liberdades civis”, segundo Gunnar Myrdal em  American Dilemma “a escravidão e somente a escravidão, produzia a mais perfeita igualdade e a mais substancial liberdade para os cidadãos livres na sociedade”. Sendo necessária para o desenvolvimento econômico, a escravidão apresentou-se como a mola propulsora desta sociedade, contudo, é ambígua se pensada no contexto moderno de liberdade. Daí a tarefa difícil de Blackburn em analisar este panorama contraditório, buscando argumentos que tangenciam questões sociais e econômicas neste perfil de sociedade conflituoso.
Para os escravistas, como o norte-americano Jefferson Davis, o trabalho escravo constituía a existência social do branco livre e proprietário; sua mão de obra era aceitável, pois, fazia parte o negro de outra espécie da humanidade, outras explicações, era excluí-lo do gênero humano. Havia uma espécie de sanção religiosa que justificava tal condição, como, sendo o negro filho de Cam, personagem bíblico que cometeu o pecado de ver o seu pai nu, foi amaldiçoada sua descendência, por Deus, a servidão. Abarcando a questão econômica, observamos que, os escravos foram imprescindíveis no desenvolvimento das Américas. Isso porque, os negros tinham uma participação efetiva no cultivo de produtos para consumo e, além disso, eles também contribuíram, de certa forma, na formação da sociedade que se instalava na América, pois traziam através do tráfico uma gama cultural que permeava e diversificava a sociedade.
Dessa maneira, compreendemos que os negros tiveram uma grande participação na formação social das Américas e na economia que se estruturou e encontrou o seu apogeu na própria modernidade, não sendo, portanto, contraditório, mas sim linear aos  fatos históricos. 

A Escravidão na África: Uma instituição consolidada antes da chegada dos europeus


Arthur Jorge Dias de Morais Coelho
Larissa Biato de Azevedo
Richard Jonathan Castro
Wendell Ferreira Blois

Por mais que possa parecer estranho diante das mentes contemporâneas, a escravidão já era uma instituição muito bem consolidada na África, muito antes da chegada dos europeus nesse continente. Tal fato faz cair por terra a idéia de que os europeus teriam incitado a criação da escravidão no continente africano. Séculos antes da chegada dos europeus, o continente africano já apresentava essa atividade, regulada por costumes e leis internas de um local que, em muitos casos, possuía certos modos de produção consolidados em torno da mão de obra escrava.
Subprodutos de confrontos militares, os escravos, em sua esmagadora maioria, raramente ficavam nas regiões onde eram capturados, ou na região de seu captor, eram exportados para os "muçulmanos" que se encontravam na parte norte do continente. O norte mulçumano possuía uma demanda baixa de escravos (se compararmos com a demanda dos europeus dos séculos seguintes), porém uma demanda estável e por vezes, constante. A presença dos islâmicos é algo definitivo para as transformações pelas quais a prática da escravização vai se transformando ao longo dos séculos.
A presença deles levou os governos subsaarianos a vender os cativos para o norte do continente, destinando a maior parte deles. No inicio a minoria é que ficava em posse desses governos e seus súditos. Em geral os escravos vendidos eram colocados em funções típicas da escravidão regulada pelos mulçumanos, tornavam-se concubinas, soldados, administradores criados e trabalhadores simples. A escravidão tendeu a aumentar conforme os conflitos na África tornavam-se maiores, a expansão islâmica e a resistência a ela gerou um número grande de escravos, mas o apogeu da escravização só será atingido no século XVI, com a chegada dos europeus. Antes disso a demanda por cativos, como já dito, era constante, porém, não muito alta. 
A relação entre escravidão e conflitos na África é algo ao qual se deve ter atenção e, por isso, devem ser compreendidas conjuntamente co outros eventos, como: invasões de nômades, impérios que entravam em ruínas e sucumbiam diante de seus inimigos, dentre outros eventos. Quando isto ocorria, aumentava o número de cativos que era vendido aos islâmicos. A idéia de que o escravo é um subproduto da guerra, é uma influência islâmica, apenas os “descrentes” e infiéis, aqueles que não crêem em Alá e, portanto são pagãos, é que podem ser escravizados por meio de sua derrota em um confronto militar. 
No entanto, não devemos subestimar o papel das conjunturas internas dos governos subsaarianos no papel da escravidão, se por um lado os islâmicos é que eram o mercado comprador de escravos, as condições em que os mesmo eram capturados eram ocasionadas por contextos e eventos internos, singulares de cada governo ou povo, por isso as conjunturas internas muitas vezes apresentavam-se como uma força muito mais definitiva nessa atividade do que as influências externas, mas é obvio que ambas acabavam tornando-se complementares.
Desse modo, os picos e quedas no número de escravos comercializados pela África seguem um padrão histórico cíclico relacionado a durabilidade de governos e sociedades Africanos consolidados, que ao entrar em degradação e perdia, ocasionavam conflitos que culminavam em um número crescente de escravos.
A pluralidade de funções assumidas pelos escravos africanos na própria África demonstra que muitos podiam ganhar posições de prestigio dentro de suas ocupações, já não era o caso dos cativos obrigados a trabalhar nas minas e em plantações muito similares as platations[1] do período colonial norte americano, nesses locais o regime de trabalho era brutal, os escravos agrupados em pequenas vilas tinham de lidar com maus tratos diários, isso se houvessem sobrevivido as longas jornadas que os retiravam de suas terras de origens.
A escravidão Africana, antes da chegada dos portugueses, foi tão bem consolidada e fundamentada que funcionava até mesmo como “cimento social” contribuía para fundamentação de modos produção baseados na mão de obra escrava, o poder político passou a se fundamentar em grande parte na escravidão, nas palavras do historiador Paul E. Lovejoy:

Apesar de uma ausência de uma classe de escravos claramente definida, a escravidão era o cimento da formação social. A escravidão enfatizava a dependência que caracterizava todos os relacionamentos e, como punição suprema para aqueles que recusavam a se submeter a um estado, mantinha toda a gama de possibilidades existentes na ordem social, desde a morte até o trabalho físico árduo, desde desfrutar uma alta posição até a venda para o estrangeiro. A escravidão era o grande nivelador, mas revelava a desigualdade essencial da sociedade africana.[2]

Desse modo, podemos perceber que desde antes da chegada os portugueses a escravidão já era uma instituição ativa e complexa, apenas não era tão consciente como veio a se tornar, se antes a escravo era uma conseqüência das guerras ocorridas por motivos políticos das tribos e governos africanos, ele se torna, no século XVI, uma mercadoria, em outras palavras a escravidão e a escravização na África por influência da presença portuguesa se torna mercantil e consciente, a partir do momento em que governos e tribos se empenham em capturar seus inimigos com o intuito de vendê-los ao europeu. 


[1] Latifúndios que plantavam, com mão de obra escrava, um único produto (monocultura) voltado para a exportação.
[2] LOVEJOY, Paul. Nas fronteiras do Islã. IN: _______. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 74.

A Escravidão na África e a “culpa” dos europeus


Caroline Rodrigues
Davi Machado da Rocha
Fernando Pereira dos Santos
Marisa Ap. Custódio Rossi

            Entende-se por escravidão moderna o processo estabelecido a partir do século XV pelos europeus, que abasteceu suas colônias em diversas localidades. Tal processo foi abordado por uma gama diversificada de autores pertencentes a diferentes linhas historiográficas, com ênfase nas temáticas de cunho mais localizado na relação entre senhores - escravos[1], até o estabelecimento de análises mais gerais, como a relação entre colônia e metrópole[2]. Entretanto, observamos que a perspectiva, entre autores pátrios, é a de delimitar tais questões como partes integrantes da História do Brasil, ou seja, o regime escravocrata é pensado como integrado por indivíduos provenientes de um continente longínquo, onde não são caracterizadas as diferenças étnico-culturais que existiam entre os mesmos.
            Desse modo, Paul Lovejoy[3] oferece uma perspectiva interessante sobre o tema, ao apresentar os modelos de escravidão consolidados em partes da África desde a Idade Média, notadamente naquele território sob domínio muçulmano, bem como a relação destas práticas com os viajantes europeus, que, como veremos, participaram ativamente deste processo (escravização) sem necessariamente impor-lhe suas regras. Tal abordagem torna-se ainda mais interessante quando empregada em comparação à bibliografia que se debruçou sobre o tema da escravidão, o que permite conjecturar possíveis razões para as atitudes variáveis de escravos frente a sua condição, como a resistência, por exemplo. Para que se compreenda essa questão se faz necessário apresentar as características particulares da escravidão no continente africano.
            Lovejoy aponta que a demanda por escravos era algo regular na África islâmica desde a Idade Média, tendo como marca fundamental o caráter doméstico da servidão. A partir disso é possível compreender o fato de a maior parte dos indivíduos escravizados no continente africano serem crianças, mulheres e eunucos. Segundo Paul os escravizados na África muçulmana poderiam cumprir funções variadas, tais como, concubinato, administração, defesa do senhorio através das armas, trabalhos agrícolas dentre outros.
            Mas como se dava o processo de captura? Todos os indivíduos estavam sujeitos à escravização? Além da coerção física, havia algum outro elemento que legitimava a escravidão entre os africanos? Lovejoy responde a essas questões apresentando uma carta datada de 1391-2 escrita pelo rei de Bornu, Uthman ibn Idris, onde questionava os métodos de escravização levados a cabo pelos mamelucos egípcios:

“As tribos árabes de Jhodam e outras tomaram os nosso súditos livres, mulheres crianças e velhos da nossa própria família, e outros muçulmanos (…) Esses árabes saquearam a nossa terra, a terra de Bornu, e continuam a fazê-lo. Eles tomaram como escravos homens livres e nossos pais, os muçulmanos, e estão vendendo-os para os negociantes de escravos do Egito, da Síria e de outros lugares, e retendo alguns para si mesmos (…) Envie mensageiros pelo seu país (…) deixe-os examinar e inquirir e assim descobrir. Quando eles tiverem encontrado nossa gente, deixe-os confrontá-los (…) Se eles disserem: 'Nós somos homens livres e muçulmanos”, então acreditem na palavra deles e não suspeitem que eles estejam mentindo, e quando a verdade se tornar clara, libertem-nos e façam com que eles retornem à sua liberdade e ao Islã.” [4]

            É possível observar no trecho em questão uma preocupação por parte do autor com o fato de muçulmanos sofrerem escravização, algo que, em teoria, estava relegado a indivíduos que não professam o islamismo. Além disso, também aparece no trecho o caráter violento do processo de obtenção de escravos, que eram obtidos por meio de conflitos armados. Lovejoy aponta que a captura poderia ser até mais violenta que a própria condição da escravidão – como a demanda era por mulheres e crianças, muitos homens eram executados após a captura –, algo que levou várias pessoas a se associar a um senhor com o intuito de obter proteção.
            Uma vez apresentadas essas questões, que nos ajudam a compreender a escravidão na África, cabe perguntar: qual o papel dos europeus nesse processo? Segundo de Lovejoy a escravidão moderna sob os moldes europeus se apropriou de redes comerciais pré-existentes na África, em um primeiro momento adaptando-se para posteriormente impulsionar tal comércio com outras regiões dentro e fora daquele continente. Aliás, o produto buscado pelos portugueses em seus primórdios era o ouro, utilizando-se dos escravos apenas como mercadoria para troca pelo precioso metal, além do que, depois de estabelecidas bases comerciais no continente, comerciantes não ligados à Coroa também participam ativamente do processo, vindo o monopólio a ocorrer apenas posteriormente.
            Assim, a escravidão era um sistema à margem da sociedade, que se transforma com a chegada de comerciantes europeus, deixando de ser empregado apenas para atividades internas, como a guerra e a mineração, transformando-se em um comércio de trocas por outros produtos que seriam levados para localidades diversas. O grande mérito de Lovejoy, portanto, é localizar a escravidão dentro de recortes geográfico-temporais específicos, delimitando características inerentes a escravidão praticada nas áreas de povoamento muçulmanas durante a Idade Média, bem como as transformações ocorridas nas localidades ocupadas pelos lusitanos.


[1] Cf. ALENCASTRO, L. F. O trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
[2] Cf. REIS, J.J.  Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil Escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
[3] LOVEJOY, Paul. Nas fronteiras do islã (1400-1600). In: A escravidão na África: Uma análise de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
[4] LOVEJOY, Op. cit. Página 67