Tatiana Milanello
Olinda Scalabrin
Samuel Santana
De acordo com o texto “Povos em Contato – comércio, poder e identidade”
de Marina de Mello e Souza, correspondente ao capítulo III da obra Reis Negros no Brasil Escravista. História
da Festa de Coroação de Rei Congo, podemos destacar alguns elementos
fundamentais de análise. O primeiro deles, apresentado por uma ampla
bibliografia, mas aprofundado neste, é o fato de que a escravidão africana já
existia antes da chegada dos europeus à África. O texto descreve com bastante
minúcia como o tráfico de escravos do Atlântico pode ser caracterizado, de modo
geral, como o desenvolvimento de uma nova rota de tráfico, como complementação
das que já existiam dentro do continente africano. A autora destaca que a
economia européia e das Américas - que dependia do comércio de escravos – teria
alcançado tamanha amplitude sem que houvesse o impulso que as nações africanas
deram ao vender grande quantidade de escravos para as caravanas.
Mello e Souza demonstra que os
portugueses faziam acordos comerciais com povos africanos que, em certa medida,
ganhavam destaque e prestígio frente aos vizinhos ao aceitarem alianças com
europeus, tanto por poderem adquirir objetos que representavam poder como
armas, ferramentas e novos conhecimentos, como pela aliança em batalhas entre
povos e segurança. Esses acordos eram vantajosos para as duas partes, uma vez
que os europeus poderiam comprar muitos escravos e catequizar os nativos; como
ressalta autora, “como em todos os lugares de colonização portuguesa, a Cruz e
a Coroa estiveram sempre juntas, defendendo os interesses da fé e do reino.”
Essas trocas e acordos, contudo, nem sempre foram pacíficas e imediatas,
segundo a autora, a oscilação entre indecisões, mudanças de aliados e
conflitos, foram comuns até meados do século XVII. O caso da rainha Njinga,
destacado pela autora, auxilia na compreensão deste processo. Njinga era
descendente de dois povos de formação da população de um reino na atual Angola,
uniu os ambundos e os jagas. A rainha, quando jovem, se converteu ao
catolicismo, mas assim que assumiu o poder, sob circunstâncias controversas,
passou a oferecer séria rejeição aos portugueses, voltando-se à religião de
seus antepassados e à cultura destes, motivo pelo qual, além de ser a primeira
mulher rainha, neste contexto, Njinga se destacou, ganhando poder frente a
outros povos locais. Um detalhe importante é que mesmo não mantendo aliança com
o governo português, o tráfico de escravos permaneceu entre a rainha e o comércio
existente com traficantes privados. Essa é outra característica comum e repetida
entre os africanos neste período, como afirma Mello e Souza.
Devido à invasão
dos holandeses ao nordeste do Brasil, estes também invadiram a costa de Angola,
com a finalidade de obter acesso ao tráfico de escravos. Portugal nesta época,
1640, volta-se para a reconquista do território. Derrota a rainha Njinga, que
após esta perda, passou a adotar o catolicismo novamente, chegando mesmo a
pedir que missionários fossem a seu reino para a catequese. Contudo, Njinga
entrou para a memória do povo daquela região como o símbolo da resistência ao
poderio e influência estrangeira.
A segunda parte do texto trata de
forma mais direta os elementos fundamentais do escravismo africano. A autora
destaca que entre os africanos a escravidão era algo cultural, presente entre
as diversas tribos. As relações de poder não se davam pela posse de terras, mas
pelas linhagens familiares que compunham o grupo. Assim, uma pessoa que se
tornava escrava, mesmo que fosse da tribo, deixava de ser parte desta, mas era
agregada à linhagem, aumentando o prestígio de seu senhor, que era proporcional
ao número de escravos que possuía – característica semelhante, inclusive, com a
escravidão brasileira – assim como o papel de propriedade para os europeus.
As formas de se tornar escravo eram
diversas. A guerra entre tribos era a principal, mas também poderia acontecer
por dívidas, por venda de si ou dos filhos, ou mesmo pelo sequestro. Por mais
que fossem diferentes as formas de se tornar escravo, uma vez feito, o
indivíduo não mais pertenceria a sua comunidade tribal, a não ser como
linhagem.
A autora defende que o tráfico
atlântico não foi o motor do interno continental, mas apenas uma nova rota. A
demanda de escravos era distinta das outras rotas, sendo que mesmo com a
intensificação da busca por cativos, as vendas eram feitas de diversas formas,
atravessando diferentes compradores antes de chegar ao porto. O testemunho de
um escravo alforriado nos Estados Unidos descreve e resume bem o processo.
Feito cativo quando criança junto de sua irmã, preso por dois homens e uma
mulher, enquanto os pais trabalhavam na lavoura, acabou passando por diferentes
donos, a ponto de aprender três línguas distintas.
Por
fim, o texto trabalhado fornece um panorama geral do tráfico de escravos na
África centro-ocidental, buscando definir as bases e principais características
deste, de modo a salientar a relação empreendida entre os povos africanos e
europeus – especialmente os portugueses.