sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Os Elementos Constituintes da Escravidão


André Luis Gobi
Diego dos Reis Terlone de Oliveira
Renan Falcheti Peixoto
Vinicius Carlos da Silva
Vivian Montezano Cruz



Orlando Patterson, na obra Escravidão e Morte Social: Um Estudo Comparativo, e em especial no capitulo introdutório “Os Elementos Constituintes da Escravidão”, coloca-nos que as relações humanas são perpassadas pelas relações de poder, relações estas que se configuram como relação de dominação já que o poder de uma pessoa ou grupo sobrepõe-se ao poder de outros. Assim, a escravidão configurou-se como a mais extrema relação de dominação em que se teve o poder total do senhor relacionado diretamente à impotência total do escravo.
Para Patterson, a relação de dominação da escravidão tem três conjuntos de características: a violência, o desenraizamento, e a perda da honra, que incidem sobre o escravo e que são os elementos constituintes da relação escravista. Pelo aspecto da violência, tem-se que a escravidão como relação de dominação tem sua origem e manutenção ligada à violência, pois, por ela são os novos escravos recrutados e também por ela, eram os já submetidos à escravidão mantidos nessa condição, seja pelo uso ou ameaça da violência. O escravo adquirido por um ato de violência torna-se impotente (sem poder) na medida em que a sua escravização ocorre por um mecanismo de troca que mantém sua existência física (a pessoa poderia ter sido morta, mas não foi), o que implica em sua impotência para manter sua existência física, e que em contrapartida liga sua existência e socialização ao seu senhor de maneira que essa mesma existência passa a se concentrar em outra pessoa.
Na questão do desenraizamento, o escravo torna-se uma não-pessoa, já que está morta socialmente sem direitos a pertencer a qualquer ordem social, seja como negação de direitos ou obrigações para com seus antepassados e descendentes, que o isola das relações sociais e da herança social de seus antepassados. Não obstante essa negação e recusa formal de reconhecimento das relações sociais do escravo, esse por sua vez possuía relações sociais informais com laços sociais entre si fortes, como uniões sexuais regulares, filhos. A perda dos laços de nascimento, dos laços de sangue, ligação a grupos, a locais de origem, é a característica que dá à relação de escravidão o seu valor singular para o senhor na medida em que o escravo não podia reivindicar ou não poderia ter essa capacidade de reivindicação de seus laços de sangue, origem (aspectos do desenraizamento), sendo essa a condição que atesta a sua morte social, implicado na negação de sua humanidade.
O desenraizamento do escravo, sua morte social, é reforçado pelo controle que o senhor exerce sobre instrumentos simbólicos que conformam a suam autoridade e que persuadiam, não só os escravos, como também as demais pessoas de uma sociedade escravista de que o senhor era o único mediador entre a sua comunidade e a vida dos escravos. Caracterizavam-se esses instrumentos simbólicos (os rituais de escravização, nomeação, vestimenta, marcas corporais e penteado) como correspondentes culturais dos instrumentos físicos usados para controlar o corpo do escravo. São os açoites simbólicos.
Numa simbiose entre violência e o desenraizamento, chegamos à questão da perda da honra a que o escravo foi submetido no momento em que foi escravizado. Patterson se utiliza de uma formulação de Hobbes em “Leviatã”, na qual o filósofo coloca que honra e poder estão intrinsecamente relacionados, já que em geral se honra a quem tem poder (de maneira que esta pessoa dotada de poder pode prejudicá-lo ou ajudá-lo), e o ato de honrar, é dar valor a alguém, seguindo a obediência do escravo com o senhor uma lógica semelhante. Assim, o escravo não possuía honra em virtude da origem de sua condição a qual o destituía de qualquer poder e o privou de uma existência independente colocando o seu senhor como condicional para a sua existência. O escravo, portanto não possuía honra porque não tinha poder ou existência social independente, de maneira que a relação senhor-escravo gerava um forte apelo de honra para o senhor e inversamente de desonra para a condição escrava. Patterson coloca que em muitas sociedades escravistas, a posse do escravo não havia uma expectativa para o que esse poderia produzir, mas sim o papel de “excitador” da honra do senhor que essa posse proporcionava. Elenca-nos Patterson os elementos da escravidão. “Violência direta e insidiosa, invisibilidade e anonimato, violação pessoal infinita e desonra crônica e inalienável”.
Orlando Patterson coloca, por fim, que este seu estudo é uma análise indutiva, ou seja, estabelece proposições gerais com base no conhecimento de certo número de dados singulares, que busca, portanto elencar as dinâmicas invariáveis que perpassaram as sociedades escravistas dentre seus múltiplos aspectos.

11 comentários:

  1. É válido salientar o caráter dialético da relação envolvendo senhores e escravos.
    Por mais eficazes que fossem os instrumentos físicos e simbólicos que garantissem a dominação de uma classe sobre a outra, a tomada de consciência, pelos escravos, deste quadro possibilitava uma reinvenção da relação, uma "retomada do poder". E isto quando se percebia a extrema dependência dos senhores aos seus escravos (para a manutenção do status, padrão de vida, etc.).
    Como exemplo de um destes mecanismo de resistência poderíamos citar, por exemplo, quaisquer atitudes que colocassem em xeque a honra daqueles que subjugam - uma vez que essa condição honrada dependia, justamente, da existência e obediência dos dominados.

    Vinicius Fattori (matutino)

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  2. Cabe aqui salientar sobre a questão do desenraizamento, na escravidão moderna, baseado na noção de “nós x eles”, que o autor Patterson analisa. Em meados do século XVII, na América, havia pouca diferença entre escravidão sob brancos ou negros, o poder exercido pelo senhor era igual para ambos. Gradualmente essa visão foi se modificando, abrindo brechas para considerar o escravo negro um ser que não pertencia a mesma comunidade dos “europeus, cristãos e civilizados”. A partir disso, cria-se a distinção entre “nós-eles”, ou seja, o escravo negro torna-se um estrangeiro, a primeiro momento sob um olhar religioso, posteriormente baseado nos discursos raciais. Dessa forma, no início da época moderna os europeus utilizavam passagens bíblicas para legitimar suas ações: “alguns acreditavam que os africanos, como “filhos de Cam”, haviam sido condenados a este destino mesmo que se tornassem cristãos.”(BLACKBURN, 2003. 26p.). Assim, a escravidão era o caminho em que os europeus (“nós”: brancos, portugueses e cristãos), conduziria os escravos (“eles”: negros, bárbaros e escravos) para a salvação. Com passar do tempo, esse discurso religioso perdeu espaço e foi substituído pelo discurso científico racial, em que a diferença passou a se pautar amplamente na raça e utilizando como justificativa para escravidão a condução para a civilização.

    Carla Alexandra Passalha, 4° História-noturno

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  3. "Em meados do século XVII, na América, havia pouca diferença entre escravidão sob brancos ou negros, o poder exercido pelo senhor era igual para ambos." Carla, a partir desse seu comentário entendemos que houve, de fato, uma escravidão "branca" na América. Queremos entender em qual momento essa escravidão "branca", que não teve nenhuma distinção com a escravidão negra, se deu no contexto das colonizações americanas e de como foi fundamental para se entender o contexto da constituição das sociedades americanas.

    Felipe B. Pagliuca e Magda Semprini - 4º História - Diurno

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  4. Patterson aborda em seu texto assuntos e características que são negligenciados pelo senso comum quando se trata do tema da escravidão. Daí a importância crucial de elencá-la enquanto uma relação inerentemente humana, construída e consolidada por seres humanos e que possuiu aparatos de dominação que transcendiam o uso da força e as relações de compra e venda de escravos. Pelo contrário, a escravização significa, para o autor, o aniquilamento e desenraizamento do sujeito ( no caso o escravo). E tal processo possuía mecanismos que envolviam toda a super-estrutura da sociedade, uma vez que obtinha consenso para a sustentação desta lógica por meio de ideias, valores e instituições que perpassam todos os campos da vida social. Exemplo claro disso são os elementos simbólicos da escravidão: uma vestimenta diferente não significava apenas o "pertencimento" do escravo à uma "classe" menos privilegiada, mas, antes de tudo, dava visibilidade à condição de não-pessoa e ao fato de que, por não pertencer à raça humana, era legítimo tratá-la como um ser inferior e exigir do mesmo um comportamento de submissão e obediência.

    Paulo Augusto Scurato Silva - noturno

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  5. A escravidão é uma relação humana, e também um tipo de trabalho compulsório que difere de outros tipos de trabalhos. Mas, quais os elementos para se chamar de escravidão? As ciências humanas funcionam diferente e o texto de PATTERSON traz uma visão genérica e estabelece um tipo ideal de escravidão, trazendo informações em que no nosso cotidiano passa despercebido. É que toda relação envolve: relação de força e poder. Não existe relação perfeita e esse poder é desigual e é dividido em três categorias de poder: 1) a tradição (poder que a pessoa sempre exerceu); 2) o carisma (entender a política, pessoa tem carisma e passa a ser seguida); a burocracia (por meio do estabelecimento de burocracias). O que difere a escravidão das demais relações humanas é a forma de relação de dominação mais extrema que existe, o senhor detem o poder e o escravo desenvolve.
    Aluna: Lucimar Ranuzzi - noturno

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  6. Destaca-se no presente texto, além de outros fatores, o caráter da morte para a escravidão. Longe de mitigar e/ou eliminar a perspectiva de morte, a escravidão era apenas uma “permuta condicional”, e não o perdão, como pode parecer a alguns; ela, assim, apenas posterga a morte o escravo, sendo que por muitas vezes a violência física é utilizada a fim de que o escravo se lembre deste acordo, do qual ele é a parte mais fraca. A execução era então suspensa enquanto o escravo concordasse e assumisse a sua impotência.

    Lucas Ribeiro - 4º História Diurno

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  7. Concordando com a idéia de que o autor “estabelece proposições gerais” ainda que com certas ressalvas, a idéia dos colegas levadas à pratica na aula em questão e aqui postada bem formulou o que em parte se entende como a delineação da escravidão moderna na América. Outro dado importante a se salientar com relação ao tema tratado pelos colegas é de que a transformação porque passa esse indivíduo nessa delineação do seu existir a partir desse ponto. A partir do momento de sua captura - tornando se assim já de entrada uma propriedade de outrem e a transformação efetiva em escravo e a isso somado todo o requinte já explanado por Peterson no texto, é claro - além de destituir profundamente tal pessoa de toda existência também a colocava num mundo que muito mais do que um alheio em sua existência de ser humano, passa-se o sujeito a “existir” agora de uma outra forma não mais vinculada àquilo que o referenciava no mundo dos homens. Raízes, famílias ancestralidade todo esse conjunto que faz do homem uma possibilidade de existência deixava de existir. Com isso tudo que advier da relação desse indivíduo com esse “novo mundo” saltava, em grande medida pra não dizer na totalidade, do seu controle vivendo este em função dos mandos e entendimentos que o outro, seu senhor, assim o entendia. Percebe-se então com isso que ao, posteriormente, se cunhar uma cultura afro toda essa separação desde a saída do seu território geográfico e todos as ocorrências em função disso deixa claro que se tratar de uma cultura fruto dessa dependência obrigatória que é submetido o escravo.Portanto, creio que a ligação principal com a idéia de afro seja tão-somente a origem do povos que a delinearam, visto que ao macular toda e qualquer vestígio de sua herança cultural natural esse individuo se inseriu no novo ficando tão-somente a sua “existência” (obviamente transformada negativamente) como componente do esqueleto da sua cultura.

    Marco Antonio Teodoro de Souza
    4ºano de História Noturno

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  8. Podemos ressaltar o ponto onde repousa para Patterson a autoridade, que seria no "controle dos símbolos públicos e privados e nos processos rituais". Assim, consegui-se intuir no escravo uma sensação de dever cumprido ao obedecer seus senhores.
    Também merece destaque o aspecto coercitivo da escravidão por meio da condição individualizada que esta apresenta. O escravo nada mais era que uma extensão do poder do seu senhor.

    Larissa Forner 4ºAno de História(diurno)

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  9. Acredito que o um dos pontos problemáticos do texto de Patterson é o de utilizar um conceito amplo de escravidão. Ora, como historiadores devemos problematizar a escravidão de acordo com o período e local em que se inseriu; pois, cada tipo de escravidão se desenvolveu de acordo com a cultura em que estava inserida. Além disso, realizar uma análise sócio-histórica pautada em um conceito pode limitar a pesquisa, pois restringe o estudo ao que o conceito permite.


    Jéssica Abud de Souza - 4ºAno de História - Matutino

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  10. Orlando Patterson, em sua obra “Escravidão e morte social: um estudo comparativo”, entende a escravidão, de uma forma geral, como sendo uma relação de poder, já que para o autor, toda relação humana envolve uma relação de poder. E, sendo este poder desigual, acaba por subjugar uma das partes em detrimento da outra. Nesse sentido, o autor fundamenta tais posicionamentos em Max Weber, já que este último defende que poder “é a oportunidade existente dentro de uma relação social, que permite a alguém impor a sua vontade mesmo diante de resistência, e não obstante o fundamento em que repousa tal oportunidade.” (WEBER apud PATTERSON, 2008, p. 19). Sendo assim, o poder se configura como uma forma de imposição, sendo o fundamento da dominação de uma pessoa sobre outra. Nesses moldes, Patterson diferencia a escravidão das demais formas de relações humanas por entendê-la como a mais grave forma de relação de dominação. Tal entendimento se dá devido ao fato de que a tal relação se fundamenta na violência, que por sua vez abrange o âmbito social, que diz respeito à coerção física; o âmbito psicológico da influência, ligado à persuasão e o âmbito cultural da autoridade, que remonta à dominação cultural, naturalizando-se e institucionalizando-se assim a condição do escravo. Conforme aborda o autor, o desenraizamento surge como mais uma forma de dominação, no qual ao escravo são negados todos os direitos e obrigações para com seus pais e parentes, sendo assim, é isolado de sua herança social de seus antepassados, perdendo assim sua referência cultural. Com a perda de sua identidade cultural o escravo passa a ser relegado à condição de ‘estrangeiro’ dentro da comunidade em que se encontra. Nesse sentido, na escravidão moderna o desenraizamento foi fomentador das noções de “nós” (branco, português, cristão e livre) e “eles” (negro, escravo e estrangeiro). Nesses moldes, até o século XIX os fatores de ordem religiosa eram as justificativas para a escravidão; no entanto, posteriormente, o discurso cientificista ganha espaço, se distanciando a discussão do âmbito religioso e a voltando para o âmbito civilizacional, o que culminará nas questões de ordem racial. Juntamente à violência e ao desenraizamento, Patterson aborda a desonra como mais uma forma de dominação, na qual o escravo estando na condição de pessoa dominada perde a sua honra, já que é despossuído de poder. Desta forma, o autor objetiva analisar a fundo os elementos constituintes da escravidão, buscando nas relações humanas formas de melhor compreender o que intitula de ‘a relação humana de dominação mais extremada’.

    Rosangela Silva Rezende - 4ºHistória - NOTURNO

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