terça-feira, 2 de outubro de 2012

As Transformações da Cultura Africana no Mundo Atlântico


Carolina Defensor
Monique Mendes
Silvia Rubini

As culturas, em geral, estão em constante processo de transformação. Isso se dá tanto na esfera interna, um movimento interno de realocação, por exemplo, diante de uma nova estrutura, quanto na esfera externa, principalmente no contato com outra cultura. Nesse sentido, a cultura africana, em contato com culturas exógenas, esteve exposta a uma série de transformações. Primeiramente, o comércio africano de escravos, situado na costa oeste africana, no Atlântico, gerou um encontro entre africanos de povos diversos com europeus cristãos. Essa disposição cultural admite uma interação, mesmo meramente comercial, entre as culturas envolvidas e uma tendência de elaborar sempre um meio de tornar claro ao outro, pensando em termos comerciais, seus interesses e objetivos. Como diversas etnias se sociabilizavam, era comum o desenvolvimento de uma língua franca, ou seja, de uma língua que atendesse a intenção de contato e relação comercial. Em geral, essa língua era originária dos povos europeus, porém, sofria adaptações gramaticais – utilização do verbo no infinitivo, por exemplo – que melhor fizessem sentido para a etnia africana contraposta. Os vocábulos eram instituídos, mas o modo de passar a informação era mais maleável. O que importava era a inteligibilidade da informação, era estabelecer com o outro uma comunicação mínima e simples.
E na América? Como se dá a interação cultural entre africanos e euro-americanos? Outras circunstâncias envolvem este encontro. Pensemos que não é necessário negociar, pois aqueles que são levados à América já estão condicionados à escravidão. Um elemento importante na transformação da cultura africana no atlântico americano é a estrutura político-social já estabelecida, que, consequentemente, gerou uma reorganização interna dos grupos escravos. Outro aspecto que precisamos considerar é o universo relacional muito amplo, ou seja, a interação cultural dada na América admite tanto etnias europeias, quanto etnias africanas. Muitas vezes o encontro entre diferentes culturas africanas não se dava de forma tão intensa na África quanto se deu no continente americano.
Apesar de pontuadas algumas características que configuram o encontro do africano com o outro americano, não podemos esquecer que as manifestações culturais africanas na América se davam em condições bem distintas daquelas disponíveis no continente africano. Os instrumentos musicais, por exemplo, tiveram que ser adaptados. Não se importavam escravos e objetos artísticos. A mão-de-obra escrava comercializada era selecionada com base nas capacidades excepcionais dos africanos escravizados. Assim, muitos artistas nem chegaram a sair do continente pátrio devido às suas habilidades. Portanto, as manifestações culturais, principalmente voltadas à música, adaptavam-se a novos materiais, a novas diferenças sonoras...
Isso se dá também com as manifestações plásticas. Cerâmicas, ornamentos, todos os aspectos que envolvem esteticamente uma etnia foram transformados pela adesão de novos métodos de manuseio e de novos materiais não disponíveis na África. Esse aspecto cultural, de manifestar musicalmente ritmos africanos em materiais americanos, atrai do outro um interesse apreciador. Porque, diferentemente da língua, que exige um acordo entre as partes para, assim, gerar um mecanismo fixo para agilizar e efetivar o entendimento, os elementos estéticos não exigiam um acordo para serem apreciados. Em outras palavras, era possível simplesmente apreciar a música africana, a dança africana...
Mas o que seria cultura afro-americana? Somadas as distinções das etnias africanas na América, aparentemente, podemos pensar num possível afastamento interativo entre elas. No entanto, a interação entre etnias distintas se deu arbitrariamente, limitadas pela escravidão. Daí nasce a necessidade de construção de uma cultura compartilhada. A cultura afro-americana nasce para resistir às normas sociais euro-americanas. A ela – à cultura afro-americana – coube um avanço compartilhado, tornando-a, portanto, muito mais homogênea na América do que nos embates étnicos na África.

Referência:

THORTON, John. “As transformações da cultura africana no mundo atlântico”. In: A África e os Africanos na formação do mundo Atlântico (1400-1800). Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

11 comentários:

  1. Em relação à língua utilizada para a comunicação entre europeus e africanos na América, vale lembrar a existência do pígdin: um dialeto formado basicamente por elementos presentes nas principais atividades exercidas pelos escravos na América, como moenda de cana-de-açúcar bem como seu plantio, comércio e ofícios em geral. Tal dialeto era usado especialmente nessas atividades, sendo direcionado essencialmente para a relação entre os escravos e os senhores, constituindo-se, portanto, basicamente da mescla de termos europeus e africanos referentes ao exercício de tais ofícios. Esse dialeto, depois de muito tempo de uso, desenvolve-se na língua crioula, falada ainda hoje em alguns países e pode ser tida como um exemplo claro do encontro entre europeus e africanos e o consequente surgimento de uma cultura inteiramente nova, formada por elementos tanto de um grupo quanto do outro e moldada conforme a utilização e a necessidade social dessa instituição específica.

    Eduardo Lopes - Noturno

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  2. Uma questão que Trorton não leva em conta, em sua análise, e por isso, conclui que as culturas africanas (no continente africano, vale a ressalva)seriam mais "homogêneas", são o que Mintz e Price chamaram de pressupostos culturais subjacentes. Para os autores estes pressupostos seriam formas de culturas mesmo que vizinhas ou aparentadas lidarem com fenômenos distintos.Isto posto, seria como os povos lidam com suas orientações inconscientes. Vale recorrermos a um exemplo: embora a feitiçaria fosse importante e ocupasse um lugar de destaque na vida social africana, haviam grupos que criam e que não criam na feitiçaria - este tipo de posicionamento poderia se dar inclusive entre povos vizinhos - ainda assim, estes povos poderiam continuar a acreditar que os conflitos sociais entre tribos pudessem gerar desgraças, doenças e infortúnio.

    4º História Diurno

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  3. Não sei se daria para falar que a cultura afro-americana nasceu para resistir às normas sociais euro-americanas. Não estou querendo dizer que não houve conflitos entre europeus e africanos. Porém, uma vez que os africanos, sendo de origens diversas e sendo que os contatos que lhes eram facultados eram com aqueles em iguais condições e com seus senhores, necessitaram criar novos aspectos culturais e normativos, bem como forjarem uma nova visão de mundo em relação a essas condições, muitas vezes pela simples questão de existir e sobreviver em um novo ambiente.Daí, talvez o texto do Mintz e Price tenha grande relevância para o debate.

    Michel Yamamoto - 4º História Diurno

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  4. Ao ler o Thornton, confesso que também não sei podemos nos referir á cultura afro-americana como uma forma de resistência a cultura euro-americana. Não á fatores, ao meu ver, que argumentem a favor dessa “ intenção” de preservação da cultura afro de maneira intensa, mesmo porque um dos pontos que podemos destacar dos povos africanos foi, de certa forma, a existência de uma flexibilidade no que se refere à adaptação cultural diante de novos cenários e situações, o que nos remete, diretamente, ao que autor define como uma "nova cultura" no mundo atlântico.

    Caroline Rodrigues- 4º História Diurno

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  5. Podemos dizer que a ideia de uma "nova cultura" está atrelada ao homem diante da questão da construção de uma "cultura", ou seja, da assimilação ou, da convergência, ou da divergência de "culturas" que acabam por "criar" uma cultura "nova", estabelecendo, assim, novas relações sociais e de poder entre os indivíduos que a compõe.

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  6. A questão do hibridismo cultural brasileiro é tópico recorrente e inegável, o seu uso e julgamento é que se altera no decorrer da história sendo recriminado por degenerar a população ou aclamado por enriquecê-la com diversas culturas. Acho interessante pensar em como as primeiras gerações de escravos vindos para o Brasil enxergavam suas diferentes etnias frente ao português. Desenraizada sua árvore genealógica das terras africanas, uma união, ou ao menos um reconhecimento comum entre as diversas etnias poderia ser entendida como uma reação de resistência previsível em contraste com a população branca livre, porém, pelo contrário, esta reação demandaria uma homogenização(ou, pelo menos, uma hierarquização) da cultura africana que levaria, inevitavelmente, à conflitos entre as diferentes etnias contribuindo para o enfraquecimento de umas e relevância de outras, dependendo principalmente da adaptação destas ao território americano e à cultura lusitana.

    Antônio Montenegro Fernandes 4HD

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  7. Mais importante que encontrar em Thorton uma relação de resistência africana, é pensar até que ponto a cultura africana já havia sido alterada ainda em solo africano e que, em solo americano, homens e mulheres de etnias diferentes têm que construir uma nova identidade. Nessa construção há que se levar em consideração fatores como mesclagem, limitação da vida social e a presença européia. Além disso, resistência ou não, a cultura que nasce na América vai ser mais homogenea que as etnias africanas.

    Débora Garrido 4º Ano História Noturno

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  8. É interessante notar no texto a questão da arte, principalmente da música, que solidifica o pensamento do autor quando se trata da cultura africana na formação do chamado "Mundo Atlântico". Mesmo não vindo para a América os músicos africanos, pois estes ficavam em seu continente pelo seu talento, a música já se transformava e sofria suas modificações antes mesmo de chegar ao continente americano. Isso comprova porque a estética (como diz o autor)é a menos estável, assim pode-se notar que a musicalidade afro-americana é variada, e vai tomando outros significados, e deixando uma enorme herança cultural (processo de troca entre africanos-africanos, americanos-africanos), gerando várias expressões musicais (maracatu, samba), onde, hoje, estes estilos criaram uma legitimidade para o Brasil. Lembrando que o cotidiano, a vivência e a experiência do africano, foi transposto para esses sons, fato importante para sua composição e estética artística.

    Marcos Stamillo - 4ºAno - H.Noturno

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  9. O que pude interpretar a partir da leitura de Thornton, quando ele destaca que a cultura afro-americana se torna uma forma de resistência à cultura euro-americana, foi que, num primeiro momento, os escravos africanos - mesmo vindos de diferentes etnias (essas também já haviam sido alteradas pelo contato com os europeus no próprio solo africano) - ao chegarem a um ambiente tão diferente e já tão consolidado (entendendo que já havia toda uma dinâmica estabelecida com normas, estruturas sociais, hierarquias, etc. entre os próprios euro-americanos), se uniram para construir uma cultura comum como uma forma de sobrevivência - dado que nesse novo ambiente as etnias africanas estavam mais próximas umas das outras do que do europeu e do americano. E só a partir da formação de um pequeno núcleo cultural afro-americano é que se deu a relação de resistência à incorporação da cultura euro-americana - como o próprio autor exemplifica, a partir de mecanismos como os cantos na língua materna africana, entre outros.

    João Jorge De Martini Moraes - 4º Ano - História/Noturno

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  10. É importante ter em mente que quando um povo migra, ele não consegue reproduzir no seu novo território os elementos da sua cultura da mesma forma como fazia na sua terra natal. Devido ao clima diferente, vegetação diferente e outros materiais disponíveis no meio, a cultura deste povo se adapta às suas novas condições. Penso que na América esta interação entre o meio e a cultura dos povos que para cá migraram, mediadas pela posição social destes grupos, formam a estrutura da cultura americana.

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