segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Escravidão: uma perspectiva antropológica


                     João Paulo Bettini Bonadio
Sérgio Daidone Filho
Eduardo Lobo Lopes


   Pretendemos neste texto, de maneira simples, acessível e direta, falar da instalação inicial dos africanos em contraste com a dos europeus no Novo Mundo analisando o contato dessas culturas. Nossa intenção é valorizar a maneira dinâmica e abrangente como ocorreu tal encontro. Assim, evitamos a simplicidade da ideia de que as duas culturas estiveram sempre separadas como, comumente, nos é mostrado.
   Primeiramente notamos que o povoamento dos colonos europeus e africanos se deu de maneira distinta: enquanto os europeus compartilhavam uma cultura, por assim dizer e apesar das diferenças e dos regionalismos, os africanos foram retirados de variadas partes do continente, de numerosos grupos linguísticos e étnicos e diferentes sociedades. Admitindo que nenhuma cultura consegue transpor um espaço ou um tempo sem se modificar notamos que no Novo Mundo não chegou uma cultura africana homogênea, mas sim uma multidão de africanos que apenas compartilhavam alguma forma elementar de comportamento, um conjunto de valores, algum tipo de percepção de mundo e dialetos variados, mas com uma origem comum que lhes tornava entendíveis uns aos outros. O que eles compartilhavam, de fato, era sua escravidão e, a princípio, só surgiu uma comunidade africana na medida em que essa comunidade foi se criando e sendo criada nos processos de mudança cultural, desenvolvendo suas instituições dentro das condições limitantes que a escravidão lhe impunha.
  O monopólio policial e militar pertencia aos europeus, mas isso, apesar de dar alguma configuração ao desenvolvimento da cultura africana nas colônias, assim como outros fatores que serão comentados a seguir, não o impediu de ocorrer. A diferença cultural também se mostra, nesse caso, um reforço nas diferenças de poder, aumentando o abismo entre o escravo e o senhor (já que qualquer tipo de cruzamento de fronteiras podia desgastar os princípios coercitivos em que se baseava toda a empreitada colonial), mas isso também não evitava que a cultura europeia pudesse manter-se intacta. O senhor era um dependente e não podia, apesar de seu poder, agir deliberadamente, pois ele tinha necessidades de atingir certos resultados produtivos e ainda lidava com pessoas que reagiriam as suas ações, o ideal institucional, dos senhores europeus, de que dois grupos, num mesmo espaço, pudessem se desenvolver livres de contato e trocas culturais se mostra uma utopia. Os escravos eram legalmente definidos como bens, isso racionalizava o sistema, mesmo, sendo eles humanos mas na prática os senhores percebiam esse fato, embora não pudessem admiti-lo. Os escravos não eram somente a mão-de-obra pesada dos canaviais, mas os cozinheiros, artesãos, cocheiros, mecânicos, carpinteiros e até atuavam como educadores; a economia das fazendas era célebre por essa dependência e variedade de escravos, assim como pela indolência da classe senhorial; essas tarefas que exigiam um alto grau de contato e uma interação social frequente, além dos casos de contato sexual, principalmente de mulheres brancas com escravos gerando filhos mestiços, num exemplo bastante claro, mostravam o quão próximo as duas culturas estavam realmente e ofereciam situações constantes de um contato e de uma socialização não previstos na normas ideais da instituição escravocrata.
   Essa foi a contradição central da escravidão no Novo Mundo que se mostrava em cada encontro entre os escravizados e os livres que formavam essa nova cultura, que ia se modelando e construindo, a cultura americana.                 

15 comentários:

  1. Luis Gustavo Terra Teles9 de outubro de 2012 às 04:08

    Quero acrescentar que nenhum grupo é capaz de transpor totalmente a sua cultura. Apesar da vantagem da liberdade que gozavam os europeus, a sua cultura não foi totalmente hegemônica no processo de construção da cultura Americana, sendo vários os fatores envolvidos, entre eles os ambientais. A cultura africana, apesar de ser trazida por cativos, se inseriu fortemente nesta formação. Uma das formas como isto acontece é através do contato íntimo entre senhores e escravos, que serviam como babás, cozinheiros, e outros.

    Luis Gustavo Terra Teles - 4º História Diurno

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  2. É interessante destacar que a visão dos autores sobre como teria ocorrido este "choque" entre as culturas - negra africana e branca europeia - permite pensarmos, que mesmo aqueles elementos culturais mais arraigados, que nosso imaginário logo se remete ao pensarmos em uma ou em outra destas culturas teria sido criado no Novo Mundo; ou seja, teria características mescladas destes dois veios culturais,muito desta mescla se deveu principalmente a fatores anbientais e climáticos,só para citar um exemplo: suponhamos que existisse um prato que fosse preparado na África a base de uma leguminosa, ao chegar nas Américas esta não seria mais encontrada fazendo com que, caso quisesse continuar a prepará-lo precisasse substituir este elemento da sua alimentação por outro presente no Novo Mundo.Estas mudanças,como sugerem Mintz e Price, com o passar do tempo teriam dado origem a uma culinária criolla (no caso específico do nosso exemplo) e de uma cultura criolla se pensarmos em outras nuanças ocorridas no seio destas sociedades.

    4º História Diurno

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  3. No campo das representações, o catolicismo e outros símbolos derivados das culturas ibéricas (que por sua vez também possuem fragmentações internas), exercem forte influência sobre a vida cotidiana dos habitantes desde os tempos da colônia. Isso se dava, parafraseando Roger Chartier, pelos interesses dos grupos que as forjam, colocadas sempre em concorrência em termos de poder e dominação, ou seja, embora provavelmente houvesse desvios da norma ditada por tais parâmetros, a organização social da elite eurodescendente teve oficialmente como um de seus elementos constituíntes a ojeriza e proibição de várias práticas e costumes relacionados aos africanos. Entretanto, há registros textuais de como o desvio em muitos casos tornava-se a norma, com concessões diversas aos cativos e até mesmo a incorporação de elementos de suas culturas às culturas regionais no Brasil.

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  4. O autor fala, tratando-se da cultura do colonizador europeu, no fato que estas, muitas vezes, se instalaram no Novo Mundo de forma restrita às nacionalidades, onde ingleses tendiam a se relacionar, em geral, com ingleses, portugueses com seus pares e assim por diante. Dessa forma, acabavam por constituir “culturas provincianas”. Todavia, acho que essa ideia também pode ser problematizada. Pois, embora tais indivíduos compartilhassem uma mesma nação, estes podiam divergir econômica, política e culturalmente, o que colocaria em cheque a ideia de uma coesão de ideais administrativos e planos de desenvolvimento para a colônia. Em se tratando do Brasil colônia, como não lembrar de Raízes do Brasil, do Sérgio Buarque de Holanda, onde o autor afirma que a colônia dispondo de pouca organização social, o recurso à violência e ao domínio personalista eram frequentemente usados nas relações entre as gentes, ao invés das relações interpessoais pautadas em leis objetivas e impessoais.

    Michel Yamamoto - 4º História Diurno

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  5. Complementando às visões já expostas pelo grupo e pelos comentários anteriores, é necessário que se problematize a questão de se atribuir caracteres monolíticos aos elementos culturais, políticos, sociais e econômicos europeus. O que se observa, segundo os autores, é a complexidade latente dentro de todo o processo de colonização, uma vez que seus agentes e também os seus objetos ( sociedades escravizadas) são dotados de elementos muitas vezes difusos e plurais e, por isso, tentar englobá-los em "rótulos" fixos significa um empobrecimento do debate a respeito do tema. Mentz e Price esclarecem isto na própria afirmação de que nem todo branco que veio para a América era livre; assim como nem todo negro que para cá veio era escravo. Sendo assim, tal visão no mostra a intensa multidimensionalidade que a colonização adquire: existem várias formas de organização política e social que se interagem ( mesmo com a sobreposição de uma pelas outras), estabelecendo mesclas que não permitem a reprodução total de elementos trazidos por qualquer uma das partes.E é, a partir da desta interação multidimensional, que se estrutura, num processo histórico de construção (conflituoso ou não), a cultura Afro Americana.

    Paulo Augusto Scurato Silva - noturno

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  6. Como, pode se diferenciar a colonização entre a America do sul e,a America do norte onde, por exemplo nos EUA : devido a colonização Britânica causa uma sociedade binária, caso contrario ao do Brasil que desde seu inicio, mostrou que o privado e o público nunca foi bem definido causando sim ao pouco um embranquecimento da cultura negra-africana e um enegrecimento da cultura Branca-europeia, através primeiro do sincretismo religioso das irmandades negras, depois aos poucos com os estilos musicais, como maxixe, lundu, que ao mesmo tempo eram proibidos até a capoeira que era criminalizada mas, adotada como esporte nacional

    Carlos Eduardo Pupin de Figueiredo Diurno

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Creio que seja interessante notarmos que mesmo alguns estudiosos acabaram por afirmar que os africanos mantinham entre si certo número de entendimentos e pressupostos culturais subjacentes já que suas eram parentes, tanto historicamente quanto pelo contato intenso. No entanto, Mintz e Price refutam essa afirmação, não enxergando uma cultura em comum partilhada pelos africanos já que estes foram retirados de diferentes partes do continente africano, vindos de distintos grupos linguísticos, étnicos e sociedades.

    Vinicius Carlos da Silva, 4º ano História Noturno

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  9. Mesmo havendo diferenças étnicas e culturais entre os africanos trazidos, à América, todos estes compartilhavam a condição de escravos. No entanto, mesmo tendo em comum esta condição, os escravos desempenhavam funções diferentes e se relacionavam de forma diversa com seus senhores e com os colonos em geral, o que faz com que a escravidão, em seu cotidiano, contivesse elementos que a tornava heterogênea. Além disso, pode-se destacar que havia também diferenças na relação de poder entre senhor e escravo, que fazia com que, dependendo da localidade, número de escravos e de outras condições, o domínio dos senhores e a margem de negociação e de relações com os escravos se desse de forma distinta.

    Caio César Vioto de Andrade 4HN

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  10. Uma perspectiva a ser observada nas relações entre culturas diferentes que por determinadas situações são forçadas a conviver em contato é a maneira como ambas absorvem elementos uma da outra, tal processo pode ser claramente observado ao longo do tempo histórico nas mais diversas culturas, sejam gregos e persas, Celtas e romanos, cruzados e sarracenos, etc. A troca cultural nos mais diversos sentidos, é inevitável, porém a característica mais interessante no caso Brasileiro é o fato de tal choque nasce uma cultura mista e completamente dissociada a valores pré definidos. Ou seja há um choque em valores da elite dominante no âmbito privado a qual absorve diversos elementos da cultura negra, porém no âmbito publico ainda os mesmos integrantes os quais absorvem tais valores, matem uma postura conservadora para ressaltar as diferenças entre as classes.

    Allan Felipe da Silva 4º H/D

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  11. Complementando o último ponto abordado pelo comentário acima(diferença entre as classes), convém destacar, assim como está exposto no texto, a antítese do senhor ao enxergar que o escravo partilhava de uma condição humana semelhante a sua, contudo não podia admití-lo e utilizava-se de diversos mecanismos para salientar essa diferença, como a violência e tratamento do negro como um bem/propriedade. Além disso, é notável a complexa relação paradoxal de "quem precisa de quem para existir?" (o escravo precisa do senhor para existir, na mesma proporção que o senhor precisa do escravo para ser senhor).

    João Jorge De Martini Moraes - 4º Ano - História/Noturno

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  12. O contato entre as diversas etnias nas Américas propiciou o surgimento de culturas afro-americanas que nasceram dessas interações. Ainda que as instituições engendradas no Novo Mundo seguissem os modelos herdados da Europa e, mesmo havendo uma organização social pautada nesses valores é possível conceber a existência de contribuições advindas da herança africana no continente americano e também as possibilidades de resistência através dessas culturas. Para os autores, Mintz e Price um dos pontos centrais da obra é entender heranças africanas na América não só para desconstruir visões passadistas que valorizavam majoritariamente as contribuições europeias nas Américas como elemento central, mas também repensar em lugares comuns de uma historiografia que difundira algumas questões equivocadas em relação à distribuição de etnias africanas dentro do contexto escravagista.

    Abner Neemias da Cruz 4º Ano - História Diurno

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  13. É interessante notar como na cultura dos povos da América pode-se notar tantos elementos da cultura africana e européia juntos. Entretanto, elas influenciaram a cultura americana de formas diferentes. Enquanto o negro teve grande influencia no interior da casa, na âmbito da vida doméstica, da culinária, dos modos de falar, a cultura do branco influenciou muito mais as estruturas políticas e econômicas. Não que o fato de os brancos serem livre tenha determinado uma maior ou menor influencia destes na formação da cultura, mas certamente teve peso sobre quais aspectos a cultura do colonizador seria mais decisiva.

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