sábado, 5 de novembro de 2011

Da exaltação à repressão, do elogio ao repúdio: a ambivalência do samba carioca como elemento de identidade nacional na Primeira República

Amanda Cristina Stefan
Bárbara Mariani Polez
Jéssica Nunes
Nívea Lins Santos
Tadeu Medeiros

O texto de Letícia Vidor de Sousa Reis faz uma análise sobre o processo de legitimação do samba carioca, enquanto cultura produzida pelos negros, e como esta linguagem vai se firmando enquanto elemento de cultura nacional, enfocando nas três primeiras décadas do século XX.
            Para a autora, o samba vai aos poucos conquistando seu espaço de aceitação, embora este gênero musical tenha sofrido uma constante oscilação entre sua aceitação e repúdio. É válido ressaltar que, durante o período analisado, o país tinha acabado de sair de um regime de escravidão no qual não havia espaço para aceitação da figura do elemento negro na sociedade. Com a ampliação da cidadania para aqueles que, tempo atrás eram vistos apenas como mercadorias, aumentou a tensão racial entre negros e brancos. Aceitar o negro e sua cultura significaria aceitar seu papel como agente político. Isso se dava em um momento no qual os critérios darwinistas eram um empecilho à incorporação do negro na esfera política.
            Contudo, como a autora salienta, o processo de reconhecimento da cultura negra - especificamente do samba, analisado no artigo - oscilou entre a aceitação e o repúdio, e este movimento de oscilação nos é bem representado no caso de João Batista de Lacerda. O diretor do Museu Nacional, adepto do darwinismo social e árduo defensor das teses de branqueamento da população brasileira na esfera pública, era freqüentador de redutos de cultura negra, como as festas nas casas das tias baianas, redutos de samba carioca e espaço de manifestação de sua cultura. O exemplo de João Batista é simbólico, pois representa a dicotomia existente em relação às manifestações de matriz negra, que oscilou entre a exaltação e a negação da cultura afro-brasileira neste período. Se por um lado, na esfera pública havia o repúdio - e por vezes repressão, na esfera particular havia aceitação e participação.  
            Neste sentido, notamos que no âmbito das relações pessoais, não havia uma posição tão maniqueísta entre: aceitação/não aceitação. Havia um espaço de sociabilidade que permitia uma circularidade cultural, entre o popular e o erudito. Entre o “Rio da Regeneração” e o “Rio das Malocas” houve a intersecção dos mundos, mas isso não excluiu os latentes conflitos sociais.
             Interessante notar que o samba, apesar do ritmo ser o mesmo, possuía significações das mais diversas. Um samba poderia servir para inúmeras funções, como satirizar as autoridades, ridicularizar a hierarquia social, trazer à tona um debate pessoal, além de expressar relações afetivas em sua intimidade. Sambas com este teor eram apresentados nos teatros de revistas, pois estes eram poderosos meios de divulgação do samba carioca, artistas e músicos negros nas décadas de 1910 e 1920. Sendo assim, os teatros de revistas serviam tanto para a divulgação da música quanto da dramaturgia populares que muito tinham como temáticas sátiras e alusões a fatos políticos e sociais.
            Esse samba polissêmico no início do século XX foi sendo ampliado por meio dos recursos audiovisuais que a nascente cultura de massas ia aos poucos implementando. O avanço das características modernas abriu portas para que os músicos tivessem a possibilidade de acender socialmente. Porém, essa inserção das classes populares na era moderna foi acompanhada de censuras, constrangimentos e restrições; por isso que as letras de muitos sambas eram revisadas, a exemplo da música Pelo Telefone.
Essa música possui uma autoria controvertida; o que cabe aqui ressaltar que isso aconteceu com diversos sambas. Isso porque a incipiente e promissora indústria fonográfica introduziu significativas mudanças também nesse sentido; ou seja, antes a criação era mais coletiva e improvisada nas rodas de partido alto, agora, com a modernidade se desenvolvendo entre as décadas de 1920 e 1930, as composições de autoria individual ganharam mais força.
A introdução do samba na indústria fonográfica promoveu mudanças nas relações sociais, rivalidades foram afloradas em razão do novo significado que o ritmo ganhou, acarretando, por exemplo, em polêmicas acerca da autoria das letras e em diversas acusações de plágios. Outro exemplo disso é a discussão, também inserida pela autora, em relação à disputa freqüente entre o Rio de Janeiro e a Bahia em torno da autenticidade do samba. Houve variadas formas de provocações e “brigas musicais” para se determinar uma espécie de “pureza” do samba e de que lugar este teria se originado. É evidente que houve intensa migração baiana para a capital federal na virada do século, logo, a confluência de culturas baiana e carioca se deu de modo muito freqüente; no entanto, como bem lembrou Letícia Reis, a discussão não deve ser orientada para saber a origem do samba, uma vez que as tradições servem aos grupos sociais nelas envolvidas como argumento político. Ao que tudo indica é mais interessante compreender que a linguagem do samba serve mais para expressar diferenças regionais, desavenças pessoais e/ou insatisfações populares com o poder vigente.
Ao lado do samba a idéia de mulata foi sendo construída também nesse período para dentro e para fora do país; ela protagonizou o tema da suposta harmoniosa mestiçagem brasileira. Em diversos sambas a imagem da mulata brasileira foi sendo criada e reafirmada, a fim de que funcionasse como uma categoria explicativa para um povo mestiço, que é vivenciada no nível das relações interpessoais do cotidiano.
Letícia Reis buscou, portanto, demonstrar que o samba carioca passou por um processo de legitimação, conquistando gradualmente os âmbitos da sociedade brasileira, ao longo das três primeiras décadas do século XX.  A autora chama atenção para a indefinição musical pela qual a música popular brasileira passou entre os anos 1910 e 1920, em razão da existência e da mistura de diversos ritmos, nacionais e internacionais, não podendo neste período, ser atribuído a ele o sentido de elemento representativo da brasilidade.
A oscilação entre a exaltação e o repúdio do samba carioca ao longo das primeiras décadas do século XX, está diretamente ligada à imagem, também ambivalente, do negro na sociedade. Se por um lado era valorizado em razão de sua herança cultural, por outro, os teorias raciais de origem europeia o impediam de ser incorporado à nova cena política. Apenas a partir dos anos 30, com a mudança do paradigma - do evolucionismo social para o culturalismo - quando a miscigenação deixou de ser fator de degeneração e passou a representar a singularidade da nação brasileira, elementos da cultura popular que já possuíam certa aceitação na sociedade brasileira deste período - como o samba - passaram a ser valorizados e elevados à categoria de símbolos nacionais. Essa mudança correspondeu ainda, a uma opção política do governo Vargas, em incorporar a herança negra à esfera pública, promovendo e exportando a ideia de que, na “aquarela brasileira”, havia uma “harmonia racial”. Por fim, é importante ressaltar que a valorização da cultura popular e, no caso do samba carioca, de sua consolidação como representante da brasilidade, foi um processo de “duplo reconhecimento”. Assim como segmentos intelectuais e artísticos da sociedade brasileira as valorizaram, artistas e intelectuais estrangeiros, principalmente aqueles ligados ao movimento modernista, também apreciavam as manifestações populares brasileiras, em especial as de matriz negra. O processo de “duplo reconhecimento”, juntamente ao contexto político da Primeira República, contribuiu, portanto, para a difusão e legitimação do samba carioca como representante da brasilidade.

REIS, Letícia Vidor de Sousa. "O que o rei não viu": música popular e nacionalidade no Rio de Janeiro da Primeira República. Estudos Afro-Asiáticos; volume 25, número 2, 2003, p. 237-279.

14 comentários:

  1. O interessante do texto de Letícia Reis é a demonstração da trajetória e também construção do samba carioca como um elemento cultural produzido pelos negros e sua afirmação, posteriormente, enquanto componente da cultura nacional. Para tanto,a autora destaca que para que o samba atingisse o status de representante de uma brasilidade no governo Vargas e passasse de certa forma a ser valorizado,havia sido negado anteriormente . É preciso ressaltar que no início da República o Brasil esteve "tampado" por um Brasil oficial que se desejava construir, amparado por teorias raciais, a construção da nacionalidade desejada excluía( incluindo os negros) as camadas populares desse processo, sendo assim elementos da cultura negra, como o samba, sofreram paradoxalmente um processo de aceitação e repúdio. Como discutido em aula, o discurso de desqualificação do samba na época se assemelha muito com o do funk atualmente, enquanto há uma aceitação no privado, na esfera pública há uma certa negação do mesmo.
    Discorrendo sobre o samba e o mundo negro, a sua posterior divulgação nos meios de comunicação e o seu papel na construção de personagens que representasse a nacionalidade e a "harmoniosa mestiçagem" como a mulata, por exemplo penso que o texto nos mostra justamente essa ambivalência do samba carioca na construção da identidade nacional na Primeira República, ou seja, de acordo com o projeto político, cultural e com a imagem que se pretendia projetar do país no exterior o samba e seus componentes ganharam significações e re-significações de acordo com o que se buscava, por isso nas décadas de trinta e quarenta a nacionalização do samba, a construção da identidade nacional naqueles anos também buscava valorizar o negro.

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  2. Galera, sei que não tem taanta relação assim com o assunto em questão, pelo menos não diretamente, mas é que eu estava (re)assistindo esse filme agora a noite e achei que seria legal compartilhar com quem, porventura, não o conheça. É um filme do Sergio Bianchi (pra quem não o conhece, recomendo também outros trabalhos dele, como 'Cronicamente Inviável' e 'Os Inquilinos'). Neste filme, intitulado 'Quanto vale ou é por quilo?', ele faz um paralelo entre a situação do negro na época da escravidão e nos tempos atuais aqui no Brasil. Não sei até que ponto ele é fiel à historia, que isso fique bem claro; mas acho que vale a pena pela discussão da analogia, e, sobretudo, pela produção. Como eu disse, não sei de sua fidelidade histórica e reconheço que, de certo modo, ele possa ser bem anacrônico em sua análise, mas acredito que é uma ótima para quem ainda não conhece o cinema nacional.
    Bem, está aí o link, para quem se interessar...

    http://www.youtube.com/watch?v=vVDUcF-hwnI

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Houve uma época (há um bom tempo atrás) em que fiquei vidrada na história de Carmen Miranda, e cabei lembrando-me dela aqui. O que muita gente sabe da carreira dela é que ela só foi encontrar o reconhecimento do seu talento ímpar no exterior, principalmente EUA. Li em sua biografia que na década de 30, na qual a autora do texto considera que já estava havendo um reconhecimento político do samba e uma aceitação deste elemento musical como legitimação da identidade brasileira, depois de uma carreira já reconhecida no Brasil, Carmen foi convidada a ir trabalhar nos EUA, despontando nos maiores festivais nacionais e internacionais. A primeira impressao dos brasileiros com relação à sua carreira no exterior foi a preocupação de ela levar e repercutir a esse público a cultura do negro e de uma arte de "mau gosto" do Brasil. Ou seja, apesar de estar havendo toda esta movimentação no país "em prol" do reconhecimento do samba como cultura popular legítima, essa manifestação só podia acontecer no "ambiente privado do país", mas nao na "esfera pública do mundo" (fazendo uma alusão em proporções maiores às esferas públicas e privadas citadas pela autora). No entanto, quando Carmen despontou no exterior com a "cultura de negro e a arte de mau gosto", aí sim os brasileiros passaram a recebê-la e considerá-la como um ícone representante da autêntica cultura popular brasileira no exterior.
    O que considero interessante notar com esse exemplo, é que o Brasil (como até hoje acontece) só considera um elemento da sua cultura como genuíno, quando este recebe o "aval" e o reconhecimento de países estrangeiros. A cultura popular brasileira só se torna legítima e apreciável a nível nacional quando o internacional passa a admirá-la. Creio que a aceitação política do samba a partir da década de 30, bem como defende a autora, ocorreu de maneira superficial, pois questões estruturais da sociedade brasileira com relação ao negro, idealizador do samba, ainda eram obstáculos para que esta aceitação fosse verdadeira. E o fato de a sua consolidação ter ganhado forças de "fora para dentro" e não de "dentro para fora", reforçou ainda mais, na minha opinião, o caráter superficial desta autenticidade do samba na cultura brasileira da época em questão.

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  5. Um ponto importante a se destacar em se tratando da música popular brasileira, diz respeito ao denominado “mistério do samba”, ou seja, o processo no qual este gênero musical alcançou a difusão e proeminência que obteve a ponte de se tornar um dos ícones máximos representativos da nacionalidade brasileira, tanto fora como dentro do país.
    O questionamento que se coloca diante desta problemática, seria como o samba, de música popular, “confinada” aos redutos negros, foi conquistando paulatinamente aceitação e prestígio cada vez maiores de camadas amplas da população, das classes mais baixas as elites, a ponto de se tornar um dos símbolos culturais da identidade brasileira. Era a época em que se buscava a formulação de um novo pacto social e político que viesse dar bases à recém- instituída República, e na qual as tradições culturais negras de matrizes africanas eram marginalizadas como símbolo de atraso e barbárie. Ademais, lembremos com a autora, que “a conquista da legitimidade do samba foi (e ainda o é) árdua e carregada de conflitos” não podendo ser desvinculada do “processo de reconhecimento social do negro”. (REIS, Letícia Vidor de Sousa, p.5).
    Para finalizar, o “mistério” se torna ainda mais difícil de decifrar quando consideramos que nas décadas de 1910 e 1920, e nas de 1930 e 1940, no seu auge, o samba “conviveu” com os mais variados ritmos e gêneros, tanto nacionais como internacionais, os quais, por sua vez, disputavam da mesma forma a aceitação e o gosto do público.

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  6. O que mais achei interessante e, até mesmo, surpreendente no texto foi o fato de que figuras públicas como senadores, outras pessoas influentes no cenário político nacional e até mesmo o presidente da República frequentavam as rodas de samba na casa das ditas tias baianas. Porém, o mesmo presidente que apreciava o ritmo, foi o mesmo que proibiu a execução do maxixe pelas bandas militares para o não reconhecimento desse tipo de música como cultura nacional.
    O engraçado é que o preconceito contra a arte de periferia vai se transformando durante o tempo. O funk carioca ou o hip hop da periferia paulistana ainda são encarados com um preconceito pela classe média. Muitas pessoas de classe média, ou ditas cultas, que apreciam o gênero e acham válido a manifestação cultural da periferia, possuem o receio de admitir isso em público com medo de críticas de seus párias. Creio que por mais que o tempo vá passando e as manifestações culturais de periferia forem sendo aceitas e incorporadas pela sociedade, sempre vai haver uma preferência pela cultura branca importada.

    Maikel Carmo noturno

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  7. Como fica evidente no texto, o samba pode ser pensado como uma forma de choques/disputas culturais entre brancos e negros, apesar de samba ser cultura e cultura não pertencer a negros ou a brancos, afinal é um gesto cultural que pode ser reproduzido por qualquer um, que não vai perder o seu traço cultural. Porém, por mais que a música não pertença a um grupo social específico por ser cultura, através dela podemos perceber tensões sociais gerados por determinados momentos históricos e que permanecem até hoje, pois é muito comum ouvir nas ruas que samba é música de negro, quando na verdade samba é cultura e não pertence a negros ou a brancos!

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  8. Sarah Fortino Lasmar (Matutino)21 de novembro de 2011 às 17:35

    É interessante notar que a questão da mestiçagem no Brasil debatida no texto “Usos e Abusos da mestiçagem e da raça no Brasil: uma história das teorias raciais em finais do século XIX” de Lília K. Moritz Schwarcz realiza trajeto similar ao samba, oscilando entre seu repúdio e a sua valorização, de fins do século XIX até as décadas de 1920 e 1930. Como o samba que antes renegado será estabelecido como um símbolo da nação, a mestiçagem que, anteriormente, apresentava-se como algo a ser combatido em meio às alegações das teorias raciais, passa, durante a década de 1930, a ganhar um caráter mais positivo, sendo utilizada também como expoente característico de nossa identificação nacional.

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  9. Fazendo também um paralelo com o texto da Lilia K. Moritz Schwarcz, as teorias raciais em voga no final do século XIX, tais como o darwinismo social e o evolucionismo colocavam o negro e o mestiço em uma posição de inferioridade e, dessa forma, não eram considerados como representantes da nação brasileira. Sendo o samba um elemento pertencente da cultura negra, sua aceitação oscilou em consonância com o projeto político nacional que se pretendia para o Brasil naqueles anos.

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  10. O texto deixa claro como as questões do privado e do particular se misturavam facilmente. Nessa onda, cabe a questão do crescimento do samba. Perseguido inicialmente, principalmente devido às suas origens negras, ele foi galgando espaço na sociedade até alcançar um patamar elevado, chegando até mesmo a representar o Brasil em outros países. Dessa forma, ao assumir a condição de representante da música brasileira, vai ocorrendo uma inversão da situação: de perseguido o mesmo passa a ser o “queridinho do Brasil”, sendo por muitas vezes utilizado por políticos para realizar uma aproximação entre estes e o povo.

    Josemar da Silva Pereira - 4º HN

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  11. Nesse texto é importante evidenciar que o espaço para a aceitação do negro na sociedade era limitadíssimo, pois com o fim da escravidão no Brasil, sua inserção político-social não tinha muito apoio na sociedade que tinha ideais de branqueamento populacional, sem contar a tensão racial que era evidente, que foi muito bem destacado no texto. No entanto, o samba apresenta-se, principalmente nas primeiras décadas do século XX, como uma cultura afro-brasileira tendo muito representatividade. Sem contar que, com a chegada da modernidade no Brasil, os recursos audiovisuais, sobretudo o rádio, ganha grandes proporções lançando o samba como espécie de identidade nacional. Porém percebemos que o Rio de Janeiro, capital do Brasil e por apresentar forte influência sobre nosso território nacional, é a cidade natal do samba, onde este aparece como filho dos cidadãos cariocas para representar, posteriormente, todo nosso país. É válido lembrar que, além do samba, nesse mesmo período, o tango surgiu como “música nacional” na Argentina, a guarânia no Paraguai, a salsa no México e Cuba, dentre outras culturas latino-americanas, pois este é o período em que os recursos audiovisuais –principalmente o rádio- são lançados e conquistam um espaço enorme na vida dessa sociedade.

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  12. O texto de Letícia Reis se faz interessante para percebermos todo o processo de construção de uma identidade brasileira, do qual o samba é um dos protagonistas.
    No ínicio do século XX, se inicia a tentativa de construir uma identidade brasileira, mas é só a partir da década de 30, principalmente com Vargas no poder, que esta preocupação se torna notável. Interessante observar como, a partir daí, elementos como o carnaval, o futebol, a capoeira, o samba e a feijoada são introduzidos por orgãos governamentais como marcas da identidade brasileira. Importante ressaltar que não só a imagem do Brasil, como país, foi formada; mas também a imagem da população: até a década de 1950, foi firmada a imagem do brasileiro – um povo não racista, bem humorado, alegre, espontâneo e malandro.
    E nesse processo de revisão de uma sociedade elaborada pelo sistema escravista e de construção de uma imagem brasileira, está, logicamente, o papel do negro na socidade como protagonista de discussões acerca do tema.
    Como bem exposto no texto do grupo, a partir dos anos 30, houve uma mudança do paradigma do evolucionismo social para o culturalismo. Então, a miscigenação deixou de ser vista como fator de degeneração e passou a representar a singularidade da nação brasileira. Foi assim que as idéias de mestiçagem e democracia racial foram entrelaçadas na construção de uma identidade nacional e elementos culturais passaram a ser valorizados e elevados à categoria de símbolos nacionais. Nesse sentido, o samba e o candomblé foram, aos poucos, incorporados como símbolos de nacionalidade, expressões da síntese cultural própria ao Brasil. Cabe lembrar também que foi nessa mesma época que a prática de esportes começou a ser a principal recomendação para a saúde. O reconhecimento da Capoeira como prática desportiva veio em 1933; e o futebol, que até então era praticado somente pela elite branca, passa a poder ser praticado oficialmente também pela população negra.
    Tanto no samba, quanto no futebol ou na capoeira, havia um aspecto de espontaneidade, que retomava e legitimava características do povo brasileiro; e essa noção de identidade nacional pressupunha que tínhamos uma cultura homogênea e singular, resultado da miscigenação racial.
    Desse modo, o governo buscou incorporar a herança negra à sociedade, promovendo e exportando a ideia de harmonia racial.
    Assim, a mestiçagem, que antes era rejeitada, passou a ser considerada uma categoria que servisse de base na construção da identidade nacional; e mais, esses elementos – futebol, samba, carnaval, etc – de simples características culturais, (num projeto de nação tido por muitos como forjado), passaram à principais produtos de propaganda e exportação de imagem brasileira. E, anacronismos à parte, ainda hoje é assim. Ainda hoje é vendida a imagem de mulatas de corpos perfeitos, a imagem de que o brasileiro é alegre, feliz e nasce com o dom de jogar futebol e dançar.

    Deixo, por fim, como sugestão, alguns links com textos interessantes sobre a formação da identidade brasileira no ínicio do século XX:
    http://www.revistacontemporaneos.com.br/n3/pdf/samba.pdf
    http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01882000000100007&script=sci_arttext
    http://www.abralic.org.br/anais/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/078/FELICIANO_FILHO.pdf
    http://www.ceao.ufba.br/livrosevideos/pdf/uma%20historia%20do%20negro%20no%20brasil_cap09.pdf

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  13. No texto feito por vocês foi abordado um aspecto bastante interessante que, a meu ver, fica em segundo plano na análise Letícia Vidor de Souza Reis acerca da caracterização do samba enquanto prática mais coletiva em um dado momento e posteriormente mais individualizada aspecto evidenciado, por exemplo, na rixa surgida quando da autoria da música “Pelo telefone”. Nesse sentido uma prática coletiva, evidenciada no âmbito das composições realizadas nas casas das ‘tias baianas’, aos poucos cede lugar a práticas mais individualizadas alavancadas, sobretudo pelo desenvolvimento do sistema produtivo tendo como principal agente, a indústria fonográfica, por exemplo, na casa Édison. Deste modo o desenvolvimento do capital concede ao indivíduo característica proeminente no que tange sua inserção no mercado fonográfico.

    Rodrigo Rufino - Noturno

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  14. O que eu achei bastante interessante no texto, foi a questão da "invenção da tradição" samba enquanto representante da nacionalidade brasileira. Devemos entender que este processo de invenção de uma tradição representativa da memória e do legado cultural de uma dada sociedade se faz através de tensões, que culminam em exaltação, emissão e resignificação dos seus elementos. Por exemplo, no começo do século XX estava em voga as teorias raciais, como foi dito pela autora, o que fez com que as autoridades, responsáveis pela construção da recém constituída nação republicana, tentasse omitir a origem negra do samba, socializando com os sambistas no espaço privado e reprimindo-os no espaço público (episódio de proibição da banda militar tocar samba). Muito importante também é o papel da indústria fonográfica na construção desse "samba branco e civilizado", para isto basta lembrar a revista, onde as mulatas eram representadas por atrizes brancas, ou mesmo, as questões de censura das letras que tinham a intenção de omitir o jogo de poder, que por vezes terminava com violência da polícia, troças com políticos ou qualquer tentativa de perturbar a ordem civilizada e de combate a barbárie negra ("dos romeiros da Penha), ou seja, a invenção da tradição negra se fez permeada por tensões políticas e socio-culturais, onde podemos observar que os dominantes apropriaram-se de elementos negros para criar a cultura nacional e que este, por sua vez, foi forte e marcante o suficiente para permanecer na "tradição", obrigando os donos do poder a assimilar a cultura negra.

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