domingo, 16 de setembro de 2012

A Escravidão na África: Uma instituição consolidada antes da chegada dos europeus


Arthur Jorge Dias de Morais Coelho
Larissa Biato de Azevedo
Richard Jonathan Castro
Wendell Ferreira Blois

Por mais que possa parecer estranho diante das mentes contemporâneas, a escravidão já era uma instituição muito bem consolidada na África, muito antes da chegada dos europeus nesse continente. Tal fato faz cair por terra a idéia de que os europeus teriam incitado a criação da escravidão no continente africano. Séculos antes da chegada dos europeus, o continente africano já apresentava essa atividade, regulada por costumes e leis internas de um local que, em muitos casos, possuía certos modos de produção consolidados em torno da mão de obra escrava.
Subprodutos de confrontos militares, os escravos, em sua esmagadora maioria, raramente ficavam nas regiões onde eram capturados, ou na região de seu captor, eram exportados para os "muçulmanos" que se encontravam na parte norte do continente. O norte mulçumano possuía uma demanda baixa de escravos (se compararmos com a demanda dos europeus dos séculos seguintes), porém uma demanda estável e por vezes, constante. A presença dos islâmicos é algo definitivo para as transformações pelas quais a prática da escravização vai se transformando ao longo dos séculos.
A presença deles levou os governos subsaarianos a vender os cativos para o norte do continente, destinando a maior parte deles. No inicio a minoria é que ficava em posse desses governos e seus súditos. Em geral os escravos vendidos eram colocados em funções típicas da escravidão regulada pelos mulçumanos, tornavam-se concubinas, soldados, administradores criados e trabalhadores simples. A escravidão tendeu a aumentar conforme os conflitos na África tornavam-se maiores, a expansão islâmica e a resistência a ela gerou um número grande de escravos, mas o apogeu da escravização só será atingido no século XVI, com a chegada dos europeus. Antes disso a demanda por cativos, como já dito, era constante, porém, não muito alta. 
A relação entre escravidão e conflitos na África é algo ao qual se deve ter atenção e, por isso, devem ser compreendidas conjuntamente co outros eventos, como: invasões de nômades, impérios que entravam em ruínas e sucumbiam diante de seus inimigos, dentre outros eventos. Quando isto ocorria, aumentava o número de cativos que era vendido aos islâmicos. A idéia de que o escravo é um subproduto da guerra, é uma influência islâmica, apenas os “descrentes” e infiéis, aqueles que não crêem em Alá e, portanto são pagãos, é que podem ser escravizados por meio de sua derrota em um confronto militar. 
No entanto, não devemos subestimar o papel das conjunturas internas dos governos subsaarianos no papel da escravidão, se por um lado os islâmicos é que eram o mercado comprador de escravos, as condições em que os mesmo eram capturados eram ocasionadas por contextos e eventos internos, singulares de cada governo ou povo, por isso as conjunturas internas muitas vezes apresentavam-se como uma força muito mais definitiva nessa atividade do que as influências externas, mas é obvio que ambas acabavam tornando-se complementares.
Desse modo, os picos e quedas no número de escravos comercializados pela África seguem um padrão histórico cíclico relacionado a durabilidade de governos e sociedades Africanos consolidados, que ao entrar em degradação e perdia, ocasionavam conflitos que culminavam em um número crescente de escravos.
A pluralidade de funções assumidas pelos escravos africanos na própria África demonstra que muitos podiam ganhar posições de prestigio dentro de suas ocupações, já não era o caso dos cativos obrigados a trabalhar nas minas e em plantações muito similares as platations[1] do período colonial norte americano, nesses locais o regime de trabalho era brutal, os escravos agrupados em pequenas vilas tinham de lidar com maus tratos diários, isso se houvessem sobrevivido as longas jornadas que os retiravam de suas terras de origens.
A escravidão Africana, antes da chegada dos portugueses, foi tão bem consolidada e fundamentada que funcionava até mesmo como “cimento social” contribuía para fundamentação de modos produção baseados na mão de obra escrava, o poder político passou a se fundamentar em grande parte na escravidão, nas palavras do historiador Paul E. Lovejoy:

Apesar de uma ausência de uma classe de escravos claramente definida, a escravidão era o cimento da formação social. A escravidão enfatizava a dependência que caracterizava todos os relacionamentos e, como punição suprema para aqueles que recusavam a se submeter a um estado, mantinha toda a gama de possibilidades existentes na ordem social, desde a morte até o trabalho físico árduo, desde desfrutar uma alta posição até a venda para o estrangeiro. A escravidão era o grande nivelador, mas revelava a desigualdade essencial da sociedade africana.[2]

Desse modo, podemos perceber que desde antes da chegada os portugueses a escravidão já era uma instituição ativa e complexa, apenas não era tão consciente como veio a se tornar, se antes a escravo era uma conseqüência das guerras ocorridas por motivos políticos das tribos e governos africanos, ele se torna, no século XVI, uma mercadoria, em outras palavras a escravidão e a escravização na África por influência da presença portuguesa se torna mercantil e consciente, a partir do momento em que governos e tribos se empenham em capturar seus inimigos com o intuito de vendê-los ao europeu. 


[1] Latifúndios que plantavam, com mão de obra escrava, um único produto (monocultura) voltado para a exportação.
[2] LOVEJOY, Paul. Nas fronteiras do Islã. IN: _______. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 74.

11 comentários:

  1. Embora o texto seja muito bem embasado,sob meu ponto de vista vale o comentário acerca da denominação da escravidão "pré-européia" em termos de "consciência". Sob meu entender, Lovejoy intenta, através da articulação de dados cuidadosamente interpretados, defender que a escravidão já era vigente na África, de forma complexa e organizada, tendo o europeu se adaptado às estruturas escravistas ali elaboradas por muitos anós após sua chegada, como bem observado no início do post.

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  2. Concordo com o Fernando. Erroneamente culpam-se exclusivamente os portugueses pela escravidão em África. No entanto, no Congo, antes mesmo da chegada dos portugueses, a nobreza congolesa já havia estabelecido escravos no distrito a capital e em Banza Sônio, a área costeira onde estava localizada Pinda, e como resultado essas duas províncias eram muito mais densamente habitadas do que outras partes do reino. Havia sim uma aliança entre os portugueses e congoleses, aliança esta que acentuou a capacidade do Estado de adquirir escravos em troca de produtos, bens e serviços.Assim não se pode acusar exclusivamente os portugueses pela escravidão, já que esta instituição já existia na África, e não foi inserida naquele continente pelos portugueses como muitos acreditam.

    Vinicius Carlos da Silva, 4º ano História Noturno

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  3. Diante do fato da escravidão já ser uma prática comum dentro do próprio continente africano, e do fato de que a justificativa moral para a escravidão ser baseada na religião, no caso a religião islâmica, que legitimava a escravidão argumentando que aqueles que estavam em tal condição seriam infiéis, demonstra que, quando do início da escravidão dos africanos pelos europeus, nenhum elemento muito diverso foi adicionado, já que, no sentido comercial, esta prática já existia, apenas se expandindo a intensidade e a dimensão da escravidão, e que, em termos morais, a escravidão passa a ser justificada, agora, com base nos preceitos do catolicismo, em que os africanos eram considerados com um "status" diferente do europeu que, através da escravização, se justificava com o argumento de que cumpria um compromisso, além de tudo, civilizador.

    Caio César Vioto de Andrade 4HN

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  4. Se olharmos atentamente para o antigo tráfico de escravos dos portugueses poderemos estabelecer quatro tipos de padrões do comércio de escravos: primeiro, alguns escravos iam para a Europa meridional servirem de empregados domésticos; segundo, se tornavam plantadores de açúcar nas ilhas do mediterrâneo; terceiro, os portugueses vendiam e compravam escravos ao longo da costa ocidental africana, transferindo os negros de um lugar para outro em um tipo de comércio de cabotagem em busca de ouro; e, por fim, havia uma ligação do comércio transaariano de mercadorias exportadas pelos portugueses para a África ocidental, inclusos neste comércio artigos têxteis e outras mercadorias compradas no norte da África.

    Vivian Montezano Cruz - 4ºHD

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  5. O texto trabalhado nos permite referir à incapacidade das oposições binárias como escravizador-escravizado, europeu-africano, negro-branco em fornecer explicações históricas plausíveis com relação a um fenômeno tão complexo como foi a escravidão, possuidora de vários meandros e interstícios em suas múltiplas relações. Neste sentido a “entrada” dos europeus no trato da escravidão e seus conseqüentes desdobramentos no Atlântico configuraram-se como um ponto de inflexão quantitativo e qualitativo de uma instituição preexistente na África.

    DIEGO DOS REIS TERLONE DE OLIVEIRA - NOTURNO

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  6. Os comentários anteriores assim como o post contemplam bem a temática, dessa forma cabe apenas salientar que a obra de Paul Lovejoy consiste em um importante trabalho de síntese. Uma vez que analisa o desenvolvimento da escravidão no continente africano e suas transformações após o contato com o mundo muçulmano e posteriormente europeu. Cabe ressaltar que para o autor os africanos criaram uma série de mecanismos de resistência a influência externa e não mostraram-se preocupados em , de alguma forma, difundir sua cultura, assim como os islâmicos e europeus.

    Caroline Rodrigues 4ºano História Diurno

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  7. Como já foi ressaltado nos comentários acima é interessante notar a existência da escravidão antes da presença dos europeus no continente africano, todavia vale salientar que seu caráter diferencia-se dos parâmetros compreendidos de hoje por escravidão. A sua origem refere-se muito mais como um caráter primitivo entre disputas familiares em nome de um maior domínio ou em situações de defesa do que em grandes atividades mercantilizadoras, dessa forma, deve-se a presença do europeu a escravidão em seu caráter institucionalizado, com o comércio ampliado em novas rotas comerciais e na caracterização dos cativos como mercadoria.

    Marisa Ap. Custódio Rossi - 4° Ano História Diurno

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  8. Gustavo Garcia Toniato28 de novembro de 2012 às 22:04

    O texto cumpre bem o seu papel em pontuar a escravidão como uma instituição já consolidada na África antes da chegada de europeus, isso nos subsidia a possibilidade de tecer amplas análises e considerações acerca das dinâmicas e relações estabelecidas no continente africano por conta da escravidão.
    Saber negligenciado por muito tempo, a escravidão na África, nos tempos mulçumanos era realizada com base nas justificativas mulçumanas, importante ressaltar que os escravos ocupavam os postos mais variados, criados, administradores, guerreiros, concunbinas e etc. Muitos adquiriam prestigio na sociedade africana dominada pelos mulçumanos, mas outros eram obrigados a viver em constantes maus tratos no que o autor chama de plantations. O texto de Lovejoy portanto é importante para percebermos a necessidade de se ter uma noção sobre a dinâmica da escravidão, suas modificações e números através do tempo e em relação aos contatos do mundo africano com povos de outros locais, como europeus e mulçumanos.

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  9. A obra de Paul Lovejoy, “A escravidão na África: uma história de suas transformações”, cumpre um papel de extrema importância no que tange aos estudos sobre a escravidão e sobre a África, já que busca através de inúmeros dados e estudos comprovar a existência da escravidão no continente africano antes mesmo da chegada dos europeus, e em específico, dos portugueses. Nesse sentido, Lovejoy objetiva desmistificar alguns consensos tidos como verdades a respeito da temática quando este expõe inúmeros dados que evidenciam que a escravidão na África já era um sistema existente, e por sinal, bastante complexo, no qual a demanda proveniente do Novo Mundo, articulada pelos portugueses, só veio a modificar esse sistema, quando passa a atribuir a este um caráter extremamente mercantil. Como destaca o autor, a escravidão na África era motivada por fatores internos, tais como guerras, escassez de alimentos e água, fatores religiosos, entre outros; e quando capturados, os escravos, em sua grande maioria, eram vendidos para regiões islâmicas, no norte da África, onde ocupavam as mais variadas funções, sendo as mais comuns as de concubinas e criados, pelas as quais as mulheres, crianças e eunucos eram os mais vendidos. Com a chegada dos portugueses à África há uma reconfiguração desse modelo de escravidão, no qual os escravos passam a representar uma mercadoria, sendo em um primeiro momento vendidos para a obtenção de lucros que seriam utilizados na compra de ouro, no qual os portugueses cumpriam a função de atravessadores, e em um momento subsequente, no qual os portugueses passam a utilizar o escravo como mão de obra no setor agrícola, fazendo com que o comércio dos escravos sofra uma notória expansão e ampliação, criando assim o comércio atlântico. Desta forma, Lovejoy salienta que a desigualdade existente na África se deu devido à existência da escravidão, escravidão esta já existente antes da chegada e comércio com os portugueses, na qual comerciantes africanos já se beneficiavam com a venda de escravos.

    Rosangela Silva Rezende - 4° História - NOTURNO

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  10. Conforme aborda Paul Lovejoy já nas primeiras linhas do texto em questão, a escravidão já era institucionalizada na África antes mesmo da chegada dos portugueses: “A escravidão era uma atividade organizada, sancionada pela lei e pelo costume. Os cativos eram a principal mercadoria do comércio, incluindo o setor de exportação, e eram importantes na esfera interna, não apenas como concubinas, criados, soldados e administradores, mas também como trabalhadores comuns.” (LOVEJOY, 2002, p. 59). Nesse sentido, nota-se claramente a existência de um sistema escravista, que por sua vez, ganhará novas configurações com a participação dos portugueses nesse comércio. Desta maneira, pode-se estabelecer ligações entre o texto de Robin Blackburn e o de Paul Lovejoy, já que ambos abordam a atuação dos portugueses no comércio de escravos africanos, e mais do que isso, salientam o papel da iniciativa privada de mercadores e senhores de escravos nesse comércio, no qual, muitas das vezes o Estado desempenhou um papel de legitimador de suas iniciativas, ficando em um primeiro momento a cargo desses verdadeiros ‘empreendedores’ todos os tramites das negociações com os comerciantes africanos. Assim como evidencia Blackburn: “Foi a iniciativa privada dos mercadores e grandes fazendeiros que levou ao emprego de escravos em escala cada vez maior nas plantations das ilhas atlânticas, do Brasil e do Caribe. A fórmula da escravidão das plantations americanas atingiu sua expressão mais forte nas ilhas orientais do Caribe em meados do século XVII, numa época em que nenhuma delas era efetivamente regulamentada pela metrópole (...).” (BLACKBURN, 2003, p. 24).

    Rosangela Silva Rezende - 4° História - NOTURNO

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  11. Este texto de Paul Lovejoy tem ligação direta com o texto de Marina de Mello e Souza no que tange a temática da existência da escravidão em momentos anteriores aos da chegada do elemento europeu. Ambos os autores concluem que realmente havia a escravidão africana, contudo, esta tinha finalidades diferentes: em um primeiro momento, a escravidão se concretizava a partir das guerras, daqueles que perdiam e se tornavam escravos dos vencedores. Já em um segundo momento, este sentido enfraqueceu - mas não deixou de existir - em face da constante necessidade de escravos para a Europa e América.
    Tal como Lovejoy, Mello e Souza demostra como havia era escravidão, em que se baseava, etc. Para tanto, usa especialmente o exemplo das negociações dos portugueses com o Ngola para obtenção de escravos já cativos. Ambos autores se complementam e devem ser considerados quanto a esta temática da existência da escravidão africana anterior ao domínio europeu.

    Tatiana Milanello - 4º História Noturno

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