quinta-feira, 8 de setembro de 2011

África: continente marcado pela escravidão

Claudio Armelin Mellon
Dario Polachini Neto
Felipe Oliveira Martins
Francisco Jose Silva Barros
Victor Manuel Nogueira Santos Junior


“A escravidão já era fundamental para a ordem, política e econômica de partes da savana setentrional, da Etiópia e da costa oriental africana havia vários séculos antes de 1600.” Com essa afirmação, o (sociólogo, antropólogo, historiador, inglês/norte americano) Paul Lovejoy refuta a teoria de que os europeus iniciaram a escravização do continente africano. A escravidão era uma instituição ligada às tradições, costumes e até leis dentro da África, se dava de forma organizada, com o respaldo da lei e dos costumes. A principal mercadoria do comércio eram os cativos, que junto com o comércio de escravos formavam essa escravização. A tendência quanto a escravidão era expandir cada vez mais, tomando proporções mundiais durante a Era Moderna. O mundo islâmico que detinha o domínio do escravo, já que o principal mercado externo se dava no norte da África e no Oriente Médio.
            Havia apenas nove ou dez saídas de escravos para o mundo muçulmano. Esse tráfico muçulmano se mostrava relativamente pequeno, em questão de números, ao longo de um milênio, ou seja, não chegou a ter o mesmo volume do comércio de africanos do Atlântico no auge. Contudo, a costa africana, por mais que tenha sido fonte de alguns escravos, não teve absurda relevância no século XVI. Embora o tráfico fosse a principal fonte de comerciantes e governantes da África subsaariana, ela não se mostrava tão dependente dessa exportação, dando uma certa autonomia aos seus Estados.  Autonomia essa que provinha das demandas internas, e não das influencias externas nessa consolidação do modo de produção baseado na escravidão. O escravo passou a ser usado internamente.  
Se anteriormente a captura dos escravos era vista como uma prática ligada às guerras com o passar dos tempos essa noção foi passando por uma transformação. Isso se deu de acordo com a noção de que a guerra existia para que fossem capturados novos escravos. Ora por produto de guerra, ora por razias, de fato muito cedo na savana setentrional, a escravização de prisioneiros de guerra tornou-se uma prática aceitável, tornando, o escravo, um subproduto das atividades militares. Tendo por base essa análise das guerras dentro do próprio continente, é importante ressaltar que as regiões setentrionais da savana levavam vantagem militar sobre os estados mais ao sul; secas periódicas afetam as regiões setentrionais, obrigando grande parte da população se mover ao sul, deixando essas terras mais aptas a invasões assim que as condições climáticas voltassem ao normal.
            Com a expansão das empreitadas em busca de escravos as cidades passaram a se fortificarem, temendo invasões inimigas. Dessa forma foram crescendo as rivalidades entre as cidades. A questão geográfica exercia influência direta nas cidades, fatores ligados a vegetação e a disponibilidade de água eram de extrema importância para a manutenção dessas sociedades. A expansão do Islã tem um papel importante dentro do processo de expansão da escravidão na África. A concepção muçulmana da escravidão foi introduzida para a África Negra, disseminando os valores e tradições ligados à fé islâmica. Um desses valores é a proibição da escravização daqueles que professavam a mesma fé, ou seja, não era permitido a escravização de muçulmanos. “A razão para a escravidão é a descrença.” Nessas palavras, Ahmad Bãbã discorre sobre a lógica da escravidão muçulmana. Qualquer indivíduo capturado, alheio ao Islã poderia, segundo a ótica islâmica ser escravizado. Assim estava legitimada a prática da escravização e se protegiam os muçulmanos. A fé estabelece a união daqueles que compartilhavam a mesma crença em uma sociedade na qual ainda não existe a idéia da nacionalidade.
Antes dessa expansão para a África Subsaariana os escravos trabalhavam em setores da administração, as vezes atuando como soldados e as mulheres como concubinas. Com a instituição da escravidão na África Subsaariana os escravos passaram a ser incorporados à produção agrícola. Uma das possíveis explicações para esse fato é a questão geográfica, pois o clima era mais propício para as culturas ligadas à alimentação. É interessante pensar sobre a proporção de exportação de escravos, já que as mulheres se encontravam no topo dessa tabela, seguidas pelos “eunucos”, já que como eram castrados, a incerteza da procriação terminava por ali.
Na opinião do autor, portanto, a entrada dos europeus na África causou impacto profundo na sociedade ao transferir para lá a lógica da disputa de mercados e a desigualdade social em maior escala. A configuração e surgimento dos reinos africanos estão, dessa maneira, intimamente ligados à entrada européia na região. Lovejoy tenta demonstrar que a ins tituição da escravidão no continente africano, através do comércio atlântico, modificou todos os setores internos , nos locais em que ela se implantou. A produção econômica em algumas regiões da África passou a depender do trabalho escravo, o poder político o utilizava em grande medida  nos exércitos e o comércio externo de venda de escravos tornou -se uma importante fonte de renda para o continente. Nesse sentido, como demonstrou Lovejoy, a influência européia na África teria ajudado a disseminar a escravidão no próprio continente e implantar um modo de produção escravista.

LOVEJOY, Paul. Nas fronteiras do Islã. IN: _______. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 59-85.

11 comentários:

  1. Com um texto tão cheio de informações como esse do Lovejoy, fica realmente difícil escolher o que apontar para a resenha.
    De qualquer modo, a visão do Lovejoy sobre o comércio de escravos na África desmente a visão que somente existiu o comércio por "incitação" dos portugueses. Pelo texto, os portugueses só aprimoraram o comércio que já estava implantado por lá.
    A exploração dele a respeito da crueldade do transporte e dos serviços realizados pelos escravos foi interessante. Tanto porque, a visão dos escravos nas plantations é muito pequena dentro do que o texto mostrou das funções dos escravos.

    Ana Carolina Robaina - noturno

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  2. Acredito que o texto de Lovejoy elucida de forma bastante completa todo o processo de escravização no Continente Africano. Sem o conhecimento profundo do processo descrito e analisado pelo autor, fica difícil pensar na escravidão brasileira na época colonial sem se equivocar. Pois, a tendência é pensarmos na escravidão como sendo um processo criado e gerido somente por europeus, neste caso específico, por portugueses. Contudo, pelo estudo do texto aqui comentado, podemos entrever outras realidades. A escravização já existia na África, e esta se dava de forma legítima em termos culturais e políticos. A entrada dos portugueses neste continente, assim como a sua participação no processo de escravidão resultou na transformação desse processo já existente e não na sua implantação. A escravização de negros já era uma realidade praticada por africanos e muçulmanos, e a relação se dava entre áfrica subsaariana e o norte do continente africano somado ao Oriente Médio. Com a chegada dos portugueses deram-se novas rotas, logo o comércio e a utilização do trabalho escravo expandiram-se. O processo agora inserido dentro de um contexto mercantilista transforma o homem escravo em um produto e segue-se uma lógica de mercado. A África passa a fazer parte deste comércio como produtora e exportadora de escravos. Desta forma, os escravos africanos foram inseridos no continente americano pelos portugueses. Logo, o homem africano sujeito à escravidão era uma realidade oriunda em seu próprio continente, mas que com a participação de portugueses se estendeu para lugares longínquos como no caso do Brasil.

    Gislaine Dedemo - noturno

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  3. Este texto do Lovejoy salienta uma questão que eu havia apontado no comentário do texto: Pensando o escravismo moderno de 02 de setembro, que é a impressão errônea que possuímos em geral de que a escravidão na África é algo que foi levado e implantado pelos portugueses, o autor nos apresenta um estudo mostrando que a escravidão na África é algo cultural e enraizado há muito tempo nesses povos, e que os portugueses, claro que não inocentemente, souberam utilizar e explorar a situação em favor próprio. Claro que esta entrada de europeus acarretou sérias conseqüências para os povos africanos, tais como transferir a lógica de disputa de mercados, aumento da desigualdade social, a modificação de setores internos nos locais, a produção econômicas de certos lugares e regiões se tornar dependente da mão de obra escrava e principalmente o comércio externo de escravos ter se tornado grande fonte de renda, todos estes citados no texto; podemos concluir que o que já era considerada uma situação difícil, se agravou com estes acontecimentos.

    Stéfani da Silveira Barea - diurno.

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  4. O texto de Paul Lovejoy faz parte de uma gama de estudos com novas concepções historiográficas que defendem a tese de que a escravidão atlântica foi uma adaptação de um sistema comercial já estabelecido no continente africano. Para Lovejoy, “[...] o comércio estava bem estabelecido e os aspectos geográficos particulares da região facilitavam a introdução de mercadores marítimos de Portugal no comércio existente.”
    Seguindo a mesma linha, Luiz Felipe de Alencastro, em seu intitulado livro O Trato dos Viventes, afirma que a “geografia comercial e a história africana favorecem a penetração européia.” Manolo Florentino, por sua vez, aponta que o “tráfico atlântico se ligava ao tráfico interno da África e que a viabilização do primeiro não pode ser entendida sem a existência do segundo.”
    Nesse sentido, o autor apresenta um panorama da escravidão existente na África antes da chegada dos portugueses, ligada, especificamente, com a expansão muçulmana.

    Marcelo Fidelis Kockel

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  5. Paul Lovejoy expõe ricas informações e notórios esclarecimentos em seu texto; vale destacar três considerações que são feitas e contribuem para a análise histórica da Africa:

    1) A escravidão já era presente na África antes das grandes colonizações:

    “A escravidão já era fundamental para a ordem social, política e econômica de partes da savana setrentional, da Etíopia e da costa oriental africana havia vários séculos antes de 1600. A escravidão era uma atividade organizada, sancionada pela lei e pelo costume (p. 59)

    2 - Os islâmicos antecederam os portugueses na empreitada escravista:

    Apesar da insuficiência dos dados, os números servem como estimativa para comprovar a demanda regular por escravos no mundo islâmico, com cerca de 9 ou 10 saídas do tráfico de escravos para o mundo muçulmano


    3 - O trafico de escravo dos portugueses apresenta semelhanças com os padrões comerciais já estabelecidos.

    "Em primeiro lugar, alguns escravos eram levados para a Europa meridional para serem empregados como domésticos, uma demanda igual á dos países islâmicos do norte da África e do Oriente Médio. Em segundo lugar, outros escravos eram vendidos para plantadores de açúcar nas ilhas do Mediterrâneo e, depois que esta produção se espalhou pelo Atlântico, para compradores da Madeira, das Canárias e das ilhas do Cabo Verde. Em ambos os casos – servidão doméstica e produção de açúcar- o mercado já estava até certo ponto atendido pelo comércio transsariano. Em terceiro lugar, os portugueses compravam e vendiam escravos ao longo da costa ocidental africana, simplesmente transferindo cativos de um lugar para outro, de modo que o ouro pudesse ser comprado como resultado dos lucros obtidos com esse comércio de cabotagem. Novamente, os comerciantes muçulmanos no interior da África ocidental, faziam a mesma coisa. Finalmente, a ligação com o comércio transaariano é particularmente evidente nas mercadorias exportadas para a África ocidental pelos portugueses que incluíam artigos têxteis e outras mercadorias compradas no norte da África”(p.74-75)


    Ricardo Abib

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  6. Lovejoy abrange a perspectiva de diversos autores contemporâneos, que defendem a idéia de que a escravidão e o tráfico de negros no Atlântico, realizada pelos portugueses, tornou-se possível devido a uma escravidão e um tráfico interno na África, onde os negros do Sul eram comercializados para os muçulmanos do norte. O tráfico com influência dos europeus só impulsionou um sistema já existente que vem sendo apontado também em estudos de outros autores como Manolo Florentino e Marina de Mello Souza. Salientando assim uma construção discursiva que refuta sobremaneira a idéia tradicional a respeito do tráfico negreiro em que põe passiva a Africa e as comunidades africanas, diante de uma processo exclusivamente de exploração européia.

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  7. O texto de Lovejoy apresenta a existência de uma África escravista antes da chegada dos portugueses, sendo que a demanda por escravos era tanto interna quanto externa.

    Nesse caso, o estrangeiro comprador era principalmente o muçulmano, e este por sua vez trouxe para a África Subsaariana valores ligados à fé islâmica como a não comercialização de “irmãos de fé”, ou seja, negros que compartilhem da mesma crença religiosa.
    Levejoy deixa claro em seu texto que a escravidão era prática tradicional na África, já estabelecida e em algumas localidades legitimada por leis e relações de parentesco. A forma mais comum de captura era por meio de guerras e investidas dos estados. Essa prática tinha como objetivo não só a captura de pessoas mas também de controle social e político, já que o medo de ser escravizado fazia com que as pessoas pagassem seus tributos. A diferença aqui colocada é como o processo de escravização, foi se transformado, principalmente depois da chegada dos portugueses:

    “Na sua forma primitiva, a escravidão funcionava à margem da sociedade. Existiam alguns cativos que não tinham conseguido pagar dívidas, que tinham sido condenados por crimes, acusados de bruxaria, capturados na guerra ou transferidos como reparação por danos. [...] Os escravos emergem quase que como produtos incidentais da interação entre grupos familiares. Eles podiam ser vendidos aos estrangeiros e aqui está a possibilidade do comercio regular, embora este pudesse variar em importância. A presença de comerciantes fornecia um incentivo para o desenvolvimento de um comércio sistemático, e não ao acaso das flutuações dos conflitos de parentesco. Uma vez que os comerciantes organizavam a coleta de escravos, a troca foi transformada. Da mesma forma que os escravos continuavam a se movimentar de um lado para outro através dos grupos de parentesco, com pouca, se é que havia alguma, discrepância no equilíbrio do seu fluxo, agora os cativos também eram dirigidos para o mercado de exportação. O efeito foi a perca pela África desses escravos e a substituição de seres humanos por mercadorias importadas.” (p.85)

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  8. Com o texto de Lovejoy fica clara a apropriação feita pelos portugueses da comercialização de cativos feita na África. Porém, é necessário notar que no continente africano, a escravização estava inserida no cotidiano africano, fazendo parte das tradições e costumes locais, mais precisamente na cultura islâmica, onde qualquer indivíduo que não partilhasse da fé muçulmana estaria vulnerável a uma possível captura.
    Contudo, o indivíduo tornava-se escravo por ser um prisioneiro de guerra, o que, dada a inserção do europeu no mercado de escravos africano, e o aumento da demanda por cativos, fez crescer o número de conflitos para o aumento de mercadoria.

    Gabriela Bassan Piedade - Noturno

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  9. Como já foi dito em algum dos comentários de um dos posts a respeito do texto, Lovejoy apresenta uma quantidade de informações a respeito da escravidão que o torna bastante informativo e ao mesmo tempo, na minha opinião, confunde um pouco o leitor pela quantidade de exemplos e dados, que como também ja foi dito, o próprio autor admite não poder comprovar. No entanto a importância do texto para mim, está na apresentação de uma visão diferente sobre a escravização dos africanos e da desconstrução da imagem de vilão carregada pelos europeus, mais especificamente pelos portugueses por terem sido os maiores agentes da institucionalização da escravidão.
    O texto nos traz informações a respeito de um sistema de comercialização que ja era vigente em partes da África muito antes dos portugueses se preocuparem com as expansões marítimas. Lovejoy discorre acerca de um comercio subsaariano mantido por islâmicos que por meio de guerras e invasões de território [que sabe-se lá porque o tradutor chama de razia, ninguém conhece essa palavra] que existia, e de forma bastante sólida, anteriormente ao interesse europeu nessa atividade. O que mais me chamou atenção no texto foi a informação de que a escravidão era justificada também por fatores religiosos. No caso africano, o autor aponta que poderiam ser escravizados pelos islâmicos apenas os que não partilhassem da mesma crença religiosa.
    Assim, Lovejoy retira o estigma de causador da escravidão dos portugueses. Segundo ele o que os europeus fizeram foi se aproveitar do sistema já estabelecido aprimorando-o e potencializando-o de forma a transformá-lo de forma bastante expressiva sendo que o escravo passou a não mais ser apenas consequência das guerras e sim o motivo maior delas acontecerem, devido a exportação ocorrida por intermédio dos europeus para as Américas inserindo, dessa maneira, a lógica mercantil nas relações escravistas já existentes na África.

    Henrique Franco da Rocha - noturno

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  10. Paul Lovejoy explicita a importância do islamismo tanto para o desenvolvimento das rotas comerciais quando na consolidação do escravismo dentro do continente Africano, da região setentrional à costa oriental, antes da chegada dos navios portugueses. E também como se dá o desenvolvimento dessa lógica escravista para a África subsaariana.
    O escravismo, antes baseado no comércio de cativos de guerra para a utilização em serviços domésticos e de lavoura, após a chegada dos portugueses se institucionaliza, se torna rentável e passa a se configurar, segundo a definição Orlando Patterson, em “Escravidão e morte social”, como a dominação permanente e violenta de pessoas desenraizadas e, geralmente, desonradas.

    Bruno Belmonte

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