sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A Cultura no Mundo Atlântico: entre a estabilidade e a mutabilidade

Andréa Manfredi da Costa
Isadora Remundini
Marina Casadore Bianchi
Pollyanna Souza Menegheti

John K.Thornton- historiador estadunidense dedicado aos estudos da chamada diáspora africana - inicia sua abordagem da cultura Afro-americana afirmando-a enquanto elemento de maior homogeneidade, frente ao conjunto das diversas culturas africanas, visto que aqui conviviam etnias que se encontravam apartadas no outro continente.
O trabalho é fundamentado no conceito de cultura e, essencialmente, no conceito de dinâmica cultural; o primeiro termo, entendido em sentido lato como o conjunto de elementos em uma dada sociedade, tal qual o parentesco, a arte, a linguagem, a formatação política, a religião ou a estética; o segundo, como as transformações às quais estão suscetíveis estes elementos e que se dão de duas formas: 1) Ocasionadas por modificações na dinâmica interna 2) Ocasionadas pela interação com outras culturas.
Lançadas as bases de sua análise, Thornton se vale da apreciação das vivências culturais no continente africano e na transposição desta cultura para o mundo atlântico, formando assim, uma compreensão balizada, simultaneamente, pela amplitude do modelo teórico, mas sustentada pela apreciação das relações específicas entre as culturas, em menor escala – o que pode ser notado no seguimento do texto em que avalia as interações culturais no âmbito da linguagem, da estrutura social e da estética.
No que concerne à questão da linguagem, o autor afirma que a mesma, a partir do contato com povos europeus, não só no novo mundo, mas no próprio território africano, sofreu modificações e variações, tendo que se adaptar de alguma forma para que houvesse o mínimo de comunicação entre povos africanos de diferentes nações, e dos mesmos com os europeus. Dentre todos os elementos culturais, a linguagem é o mais estável, mesmo assim, o conjunto de línguas africanas foi o mais frágil para sobreviver e se desenvolver no novo mundo. As línguas africanas desapareceram, sendo substituídas por uma língua crioula, ou por uma forma adaptada da língua européia. Isto pode ser explicado pela “arbitrariedade essencial das línguas”, ou seja, quando muitas línguas que não se assemelham em estrutura e vocabulário, o resultado provavelmente será o nascimento de uma língua franca, para que cada indivíduo precise aprender apenas uma segunda língua para se comunicar.
No que diz respeito às formas de preservação da língua o autor destaca o canto, já que os escravos, muitas das vezes, cantavam em suas próprias línguas. A música era uma forma de expressão de um nacionalismo que, de certa forma, provocava orgulho e não exigia esforço de aprendizado. Com isso, percebe-se que as línguas africanas sobrevivem até hoje no Caribe e no Brasil, por exemplo, no contexto da música e de cânticos religiosos.
Muitos antropólogos enfatizam a perda da cultura africana durante a travessia atlântica, bem como a desestruturação das organizações sociais por meio de parentesco. Thornton acredita que conferir muita atenção à questão dos laços de consangüinidade nas relações sociais é ser limitado. Segundo o autor, havia, na África, muitas formas de organização pessoal sem referência a parentescos ou laços consangüíneos, sendo que o exército pode ser considerado o maior exemplo disto, visto que estes eram organizados como unidades corporativas, não se restringindo a laços familiares. Além de organizações de cunho político, as organizações religiosas também não tinham limites impostos pela questão do parentesco. Sendo assim, quando os africanos desembarcam no outro continente, como escravos, as organizações baseadas nesses modelos africanos deram manutenção a essas estruturas sociais, que conseguiram, assim como a linguagem, sobreviver fora do continente africano, mesmo que de forma modificada.
De todos os elementos da cultura, a estética apresenta-se como o mais instável. Porém, no mundo atlântico os elementos culturais africanos foram os que mais resistiram, como, por exemplo, a música e a dança africana que exerceram importante influência na musicalidade afro-americana. No processo de transferência e de transformação de estéticas africanas na América, é importante considerar as condições de trabalho dos escravos, já que nem todos eram qualificados para realizar trabalhos mais complexos e também havia algumas matérias-primas que não estavam disponíveis.
No mundo atlântico o contato de diversas culturas possibilitou misturas de estéticas. A estética não é rígida como a linguagem e pode incorporar novos elementos sem prejuízos. Geralmente as pessoas são bastante flexíveis em adotar elementos estéticos diferentes. Esse contato gera um processo de troca, mesclando tradições estéticas entre africanos e europeus.   
Thornton acredita, portanto, que no mundo atlântico a cultura africana não apenas sobreviveu intacta em alguns traços, mas permaneceu, justamente devido à sua flexibilidade e capacidade de adaptação, sendo capaz de influenciar também a cultura atlântica. Sendo assim, conclui-se que o cerne da questão proposta pelo autor é a natureza da interação cultural e a transformação dos elementos africanos para se adaptarem às novas condições impostas pelo mundo atlântico.

THORNTON, John. As transformações da cultura africana no mundo atlântico. In: _______. A África e os Africanos na formação do mundo Atlântico (1400-1800). Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 279-311.

5 comentários:

  1. Comparando o texto de Thornton com o apresentado por Mintz e Price, podemos traçar alguns paralelos que ajudam na construção do pensamento acerca da chegada africana ao Novo Mundo. Se levarmos em consideração o exemplo da linguagem, observamos que ambos os autores mostram que inicialmente as línguas faladas eram muitas e cheias de variações entre si (graças a diversidade de lugares das quais os escravos eram oriundos). Assim, foi necessário o desenvolvimento de uma comunicação simples, que provavelmente era primeiramente usada no comércio e cheia de contrações, os chamados "pidgins". Esses, ao passarem ao uso comum e constante, como forma de linguagem válida e posteriormente adaptados e ensinados como língua mãe aos nascidos na colonia, deixam de ser meros "pidgins" e passaram a constituir uma língua crioula. Esse fato pode, sem dúvida, ser encarado como uma forma de destruição das tradições linguísticas africanas, que perdem suas características diante da realidade colonial. Entretanto, a partir da análise dos textos, podemos, para além disso, enxergar também a capacidade de adaptação desses indivíduos diante de uma situação delicada e profundamente complexa. A criação de uma língua crioula não só demonstra uma capacidade de mudança e re-significação frente ao novo, mas também espelha um fato óbvio: europeus e africanos tiveram de encontrar formas de convivência entre si, o que quebra teorias engessadas a cerca da dicotomia existente entre as duas camadas.

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  2. Sendo a estética o elemento da cultura menos estável, podemos notar que a musicalidade afro-americana se desenvolveu de uma forma muito rica e variada, pois dialogou, incorcoporou e re-significou diversos outros elementos sonoros das culturas européia e indígena. Como o próprio autor já ressaltou, o contato estético envolveu um processo complexo de troca, do qual se construiu variadas expressões musicais.

    No entanto, indo além da análise do autor, é importante lembrar que a música serviu de instrumento "civilizatório" tanto para indígenas quanto para negros. Ou seja, tanto em sua forma instrumental, quanto em cantoria ela
    facilitou a conversão de ambos às crenças cristãs. Além disso, as manifestações folclóricas, a exemplo do Jongo e do
    Maracatu, muito se desenvolveram por meio das heranças afro-americanas e até os dias de hoje possuem repercussão e legitimidade dentro e fora do Brasil.

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  3. A questão da música também pode ser apreciada como elemento ratificador do embasamento teórico de Thornton, uma vez que, o autor busca estabelecer um contraponto entre as teorias da diáspora negra e as vivências no mundo atlântico. Assim, o momento do texto no qual é citada a passagem em que alguns habitantes da ilha de Idolos capturam um alemão, para que este toque e lhes ensine a tocar trompa, é emblemático no sentido de afirmar a atuação dos africanos nesse sincretismo cultural, em oposição à passividade difundida pelo senso comum.
    Outro elemento referente à música, e que pode ser tomado como exemplo de equiparação das perspectivas sitêmicas e vivenciais, é a questão da escolha dos africanos que seriam vendidos como escravos. A música africana era alterada no mundo atlântico, antes de tudo, pelo fato de que a maior parte dos escravos não eram, necessáriamente, figuras dedicadas à música e, assim, o que se reproduzia aqui era, mesmo antes do encontro com as condições de vida na américa, diferente da música produzida na África

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  4. Neste texto, o autor John Thornton trabalha a questão das estruturas da cultura africana e como essas se modificaram e se adaptaram em um novo ambiente, no caso o “mundo atlântico” citado pelo autor. A linguagem é o elemento mais estável dentre os citados e que foi, portanto, o mais difícil de se adaptar ao novo mundo, já que os escravos eram advindos de localidades diferentes dentro do continente africano, e que cada tribo ou país possuía uma linguagem diferente, com dialetos próprios. Também achei interessante a questão da arte ser o elemento que mais se adapta e se modifica, tendo em vista a questão dos ornamentos e da música, que acabavam por se adaptar visto que eles não eram realizados por especialistas nestas matérias, já que músicos, artesãos e outros tipos de artistas não eram enviados para trabalhar como escravos no mundo atlântico, normalmente permanecendo em seu próprio continente, onde seus trabalhos eram apreciados e vendidos aos estrangeiros.
    Por fim, a questão da transmissão das tradições africanas para o mundo atlântico, faz referência direta com a manutenção destas tradições no Brasil, como por exemplo, a questão das festas e celebrações negras, que, apesar das modificações terem ocorrido, permaneceram neste novo território.

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  5. Como abordado pelo grupo no início do texto,tendo em vista o conjunto das diversas culturas africanas, o nascimento de uma cultura afro-americana no além-mar se deu de forma mais homogênea - partindo do pressuposto da construção de uma cultura a partir da cultura do outro. Contudo, levar em consideração que houve encontros de culturas e não dominação, não quer dizer que não houve violência, mas há de se levar em conta também o desenvolvimento da cultura africana de diferentes maneiras, evidenciando sua flexibilidade e capacidade de adaptação.

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