sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Nascimento da Cultura Afro-americana: uma perspectiva antropológica

Bárbara Larissa Bento
Carolina Braga
Luiz Fernando Perez
Raquel Chaib

O texto apresentado em sala de aula no dia 06/10/2010 é composto pela introdução, primeiro e segundo capítulos do livro O Nascimento da Cultura Afro-americana: uma perspectiva antropológica. Publicado em 1973 pelos autores Sidney Mintz e Richard Price, a obra surge logo após a luta pelos direitos civis e o surgimento dos primeiros currículos de estudos afro-americanos nas universidades estadunidenses.
Como o próprio título releva, trata-se de uma perspectiva antropológica acerca da história da cultura afro-americana. Mintz e Price abordam a instalação inicial dos africanos na América e a sua interpenetração com as comunidades europeias para traçar a base das características que as comunidades afro-americanas viriam a adquirir.
            Durante o povoamento da América os autores ressaltam que nenhum grupo conseguiu transpor seus valores de maneira intacta por melhores que fossem as condições. Mesmo os europeus dispondo da liberdade e da norma para organizar seu meio social não tinham como garantir uma transmissão cultural satisfatória, porém o caráter dessas transposições e suas transformações posteriores os fazem crer numa maior continuidade no caso afro-americano.
            A primeira diferença se refere ao modo com que foi praticado o povoamento por africanos e europeus. Os europeus povoaram o novo mundo vindo de províncias de diversos Estados Nacionais que compartilham uma língua oficial comum, isso traduz numa composição homogênea da ocupação. Já os africanos foram retirados de diversas áreas que possuíam numerosos grupos étnicos e linguísticos somando-se os fatores coercitivos e industriais do escravismo sua ocupação se tornou heterogênea.
            Partindo de tal pressuposto os autores não acreditam que os africanos escravizados eram capazes de compartilhar uma cultura como faziam os europeus oriundos de uma determinada região.
O desenvolvimento das colônias europeias, abastecidas cada vez mais por mão de obra escravizada gerou a criação de sociedades divididas ponto de vista cultural, estético e institucional. Em geral eram pequenos grupos de europeus exercendo seu poder sobre uma grande maioria africana.
            Ao aprofundar as discussões entorno da origem e formação das comunidades afro-americanas no novo mundo, os autores apresentam um modelo antropológico que postula a existência de dois blocos culturais, um africano e outro europeu. Para pensar a cultura africana os acadêmicos são obrigados a postular a existência de uma herança cultural generalizada, ou afirmar que boa parte dos africanos de determinada colônia pertence ao mesmo grupo étnico ou tribal.
            A segunda hipótese do modelo antropológico é logo descartada, já segundo os autores, o conceito de herança cultural africana precisa ser aprimorado. Se definirmos cultura como um corpo de crenças socialmente padronizadas que servem de guias para um grupo, o termo não pode ser atribuído as massas de indivíduos escravizados distantes de seus meios políticos.
            Os autores concluem, portanto que a multidão heterogênea de indivíduos sob uma condição de status inferior e que compartilham traços subconscientes de uma origem comum pode ter servido de catalisador nos processos pelos quais eles foram capazes de forjar suas próprias instituições. Os africanos na América então só puderam se constituir como comunidade e partilhar uma cultura na medida e na velocidade que eles mesmos as criaram.
           
Texto: MINTZ, Sidney; PRICE, Richard. O Nascimento da Cultura Afro-americana: uma perspectiva antropológica. Rio de Janeiro: Pallas, 2003, p. 19-58. 

10 comentários:

  1. É válido ressaltar que esses autores sugerem uma problematização acerca do modelo tradicional de se compreender a história da cultura afro-americana primitiva, pois ao contrário deste modelo, buscam não analisar tal cultura como um todo indiferenciado.

    A princípio o que os povos africanos tinham de fato em comum era a sua condição de escravos. Evidentemente seus conhecimentos, linguagens e crenças tiveram repercussão ao chegarem em um território totalmente novo, não foram dizimados; porém, a transposição destes foi sendo modificada, adaptada e reapropriada com o decorrer do tempo.

    Os africanos não tinham uma cultura única e homogênea para ser transportada; mas muitas das diversas línguas por eles utilizadas, das formas de cozinhar, das vestimentas, das crendices e dos valores comportamentais foram constantemente construídos e transmitidos por gerações em terras americanas. Construção tal que se deu de
    forma complexa, pois ocorreu conjuntamente com a consolidação da camada branca senhorial e livre na legitimação do poder tanto sobre eles, quanto sobre o aspecto normativo das colônias.

    Cabe lembrar que, embora essa legitimação tenha se efetivado, os escravos afro-americanos sabiam da dependência que seus senhores tinham sobre eles. A relação de dominação e exploração era muito mais complexa e dinâmica, e bem menos romântica e maniqueísta.

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  2. Em continuidade ao comentário anterior, é válido pensar também que essa relação dicotômica, apesar de não existir na prática, era bastante viva na teoria e no imaginário senhorial. Os senhores tratavam seus escravo como animais, mas ao mesmo tempo exigiam deles uma postura humana. Acreditavam que com a postura e os castigos certos, os escravos admitiriam sua condição de escravos.
    Assim, as relações que de fato existiam entre as duas camadas (no âmbito doméstico, comercial, sexual, cotidiano e outros, como demonstram os autores), procuravam ser camufladas no imaginário dos que detinham o controle, posto que isso significaria assumir uma interligação que eles fingiam não existir.

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  3. É interessante perceber que a obra de S. W. Mintz (antropólogo) e R. Price (antropólogo e historiador) aparece num momento de grande fervilhar sobre as discussões sócio-políticas e culturais acerca dos afro-descendentes e suas inserções (década de 1970). O debate acadêmico sobre a escravidão também é grande nesse período.

    Eles propõem uma análise que parte da idéia central de que, apesar das formas de ocupação da América por Africanos e Europeus terem sido diferenciadas, ambos são construtores desse “Novo Mundo”. Sua relação – como toda relação humana – é mediada pelo poder, mas um poder que não é exercido de forma unilateral, e sim, dentro de uma dinâmica em que senhores e escravos são dotados de práticas, apropriações.

    Ainda que suas práticas escravocratas sejam juridicamente fundamentadas, os senhores também são dependentes de seus cativos. Estes, por sua vez, encontram “áreas de contato” que lhes permitem atuar de forma única.

    Uma dessas áreas é a das chamadas “tarefas adicionais”, como o preparo dos alimentos, por exemplo. Vemos aí que assim como “seria um erro presumir que as preferências alimentares dos escravos eram automaticamente predeterminadas pelo prestígio e poder dos senhores, seria igualmente errôneo supor que apenas as preferências européias determinaram a culinária que, no decorrer do tempo, tornou-se convencional, seleta e ‘crioula’” (MINTZ; PRICE, p.53, 2003) – reflexões devidas a S.W.Mintz, conhecido por seus estudos em História e Significado da alimentação.



    Referência Bibliográfica:
    MINTZ, Sidney W.; PRICE, Richard. O Nascimento da Cultura Afro-Americana: uma perspectiva antropológica. São Paulo: Pallas, 2003, p. 19-58.

    Indicação Bibliográfica:
    MINTZ, Sidney W. Sweetness and power: The place of sugar in modern history. New York: Viking Press, 1986.
    ________________. Tasting food, testing power: Excursions into eating, culture, and the past. Boston: Beacon Press, 1996.

    - Site Oficial de Sidney Wilfred Mintz: http://sidneymintz.net/ .
    - Site Oficial de Richard e Sally Price: http://www.richandsally.net .

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  4. Os dois autores não negam a existência de uma herança cultural comum aos africanos, mas afirmam que ela teria de ser observada em um outro nível, o dos "princípios gramaticais inconscientes" e das "orientações cognitivas", e não poderia ser automaticamente associada a manifestações culturais explícitas, visto que estas estariam sempre diretamente ligadas às formas institucionais que as articulavam. A natureza do fluxo migratório dos africanos para a América representou enorme obstáculo para a transposição cultural simples, pois as instituições que conferiam organicidade às diversas culturas africanas não puderam ser trazidas nos navios negreiros. Os cativos tiveram que criá-las nas Américas por meio de sua própria agência, mas sempre com base naqueles princípios mais profundos.

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  5. Acho interessantes ressaltar a relação entre o status dos imigrantes, a que os autores dão destaque para o contraste entre o homem branco e o homem negro. Ao passo que o primeiro em maior parte chega como homem livre o segundo chega como cativo e assim permanece assim como seus descendentes. As diferenças que surgem entre o status e o poder são ressaltadas como diversificadoras dos problemas de continuidade. A liberdade do colono branco lhe confere o poder de fundar as instituições nacionais, que claramente teriam um caráter europeu. O que os autores não pontuam como certeza, pois colocam que “a fidelidade as tradições mais antigas” seria uma característica mais permanente entre os negros, mas estes obviamente não tiveram a chance de fundar instituições legais.

    Paula Fernandes Henrique - noturno

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  6. Segundo o texto, os autores observam as relações sociais dentro dessa sociedade que aos poucos define-se culturalmente graças à influencias européias e africanas. Ao analisar esses aspectos, as autores enfatizam ainda, que não tratava-se de uma sociedade meramente dualista, mas existia uma certa permeabilidade dentre as camadas, tanto no âmbito da construção cultural como nas relações de poder; essa postura de Prince e Mintz destaca-os da historiografia tradicional sobre o tema que se apóia na tese de que a sociedade americana escravista era absolutamente dividida, estando sempre senhores distantes de seus escravos negando que estes compartilhavam elementos culturais.

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  7. A análise antropológica feita por Price e Mintz do surgimento da cultura afro-americana leva em conta os primeiros anos de contato entre os europeus recém instalados nas colônias americanas e os negros africanos trazidos na condição de escravos da África.
    Os autores observam que apesar de todos os benefícios exercidos pelos europeus na colônia, não era possível transpor sua cultura original de forma total e sem que ela sofresse influência do seu local de destino. Por outro lado os autores desvinculam-se das perspectivas tradicionais antropológicas acerca da cultura africana, e negam a existência de uma cultura homogênea comum à todos os escravos que vinham para servir como força de trabalho na América. Apontando tamanha diversidade étnica cultural inseridas nessa sociedade colonial, os autores sugerem que a formação dessa cultura afro-americana deu-se graças aos aspectos locais em que os africanos estavam inseridos – condição de cativos e sub-julgados pela sociedade; inseridos nesse contexto, a camada africana passou a gerar organizações e conceitos sócio-culturais.

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  8. Mintz e Price discutem criticamente as teses sobre as culturas escravas nas Américas que as concebiam como totalmente "aculturadas" ou estritamente "africanas". Questionando a ideia da unidade cultural da África ocidental apresentada por Herskovits, os autores defendem a hipótese de que, no nível das formas manifestas e crenças explícitas, as culturas africanas das regiões que abasteceram o tráfico negreiro transatlântico foram marcadas por grande heterogeneidade. Os autores não negam a existência de uma herança cultural comum aos africanos, mas afirmam que ela teria de ser observada em outro nível, o dos "princípios gramaticais inconscientes" e das "orientações cognitivas", e não poderia ser automaticamente associada a manifestações culturais explícitas, visto que estas estariam sempre diretamente ligadas às formas institucionais que as articulavam.
    Segundo os autores, a natureza do fluxo migratório dos africanos para a América representou enorme obstáculo para a transposição cultural simples, pois as instituições que conferiam organicidade às diversas culturas africanas não puderam ser trazidas nos navios negreiros. Os escravos tiveram que criá-las nas Américas por meio de sua própria agência, mas sempre com base naqueles "princípios gramaticais" mais profundos. Essas instituições culturais criadas pelos escravos nos embates contra seus donos assumiram sua forma dentro dos parâmetros do monopólio senhorial do poder, mas eram separadas das instituições senhoriais. A heterogeneidade cultural forçou os escravos a reinventarem seus compromissos no Novo Mundo, imprimindo às primeiras culturas afro-americanas grande dinamismo.

    Daniel Mazinini Rosa - Matutino

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  9. Diante de uma análise antropológica sobre a cultura afrobrasileira utilizo a análise do antropólogo Claude Lévi-Strauss. Levantei esta questão em sala e talvez não tenha sido entendido muito bem, mas espero ajudar aqui. No que tange a heterogeneidade de culturas Lévi-Strauss chama atenção a "racionalização de culturas" onde o embate cultural não necessariamente estabelece uma cultura vencedora e outra perdedora. O que ocorre é uma inter-relação entre as culturas de forma simultânea, uma vez que nenhuma das duas culturas serão mais a mesma após o contato. Isso é facilmente observável levando em conta as diferentes culturas produzidas em diferentes colônias povoadas por europeus e africanos com as vezes as mesmas procedências territoriais e culturais nos "países" de origem. Portanto, alguns elementos culturais nasceram desse contato cultural e são gerados a partir de uma racionalização cultural, dentro das possibilidades locais e sociais condicionantes daquele "povo".

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  10. queria acrescentar aqui a importância de citarmos os atores da terceira leva de grupos étnicos distintos que já povoavam o continente americano muito antes dos dois grupos de africanos e europeus, mas que influenciaram bastante na adaptação e na formação das colonias.

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