Daniel Hipólito
Filipe Nacaratto
Vitor Braganholo
O autor para fazer um diagnóstico da situação do negro na Bahia busca entender como ocorriam as festas negras e também a participação dos negros nas festas em que eram muitas vezes apenas serviçais, nas primeiras décadas do século XIX. Mapeando-as não em relação a musica e cultura, mas nas relações de poder na sociedade escravista, tendo como ponto principal, o batuque, marca das festas de matriz negra, e representação mais fiel da experiência africana.
As festas vão ser sempre uma forma de discussão em relação à sua representação e seu papel na sociedade. Havia uma multiplicidade de interpretações sobre as festividades negras: muitos a entendiam como meio de expressão da resistência escrava e negra no Brasil, outros condenavam assinalando-as como ensaio das revoltas, mas havia quem entendia como meio de controle social dos escravos, e alguns defendiam as festas como forma de liberdade do africano.
Ao trilhar as transformações sobre a percepção da festas negras de batuque, o autor expõe três exemplos distintos para ilustrar o quadro. O primeiro é uma festa ocorrida no ano de 1808 em Santo Amaro, nas oitavas de Natal. Nessa festa, observa-se a perspectiva da divisão étnica, onde os negros se reuniam conforme a sua origem, embora essa divisão não fosse completa. Um dos pontos importantes destacado pelo autor é a comida, que havia sido paga pelos próprios negros, evidenciado pelo aferimento de renda, mostrando o relaxamento de certa maneira dos senhores em relação ao trabalho remunerado e a composições de pequenas plantações de subsistência. Outro ponto é que os próprios senhores liberavam os escravos para participarem dos batuques, sendo que alguns desses senhores inclusive assistiam àquelas comemorações.
O autor destaca também a preocupação de alguns senhores e autoridades em relação à festa se desenvolverem até a noite, pois para eles, os negros deviam estar descansados para trabalharem no outro dia, e além do que a noite era o momento em que os demônios estavam a passear, e os negros revoltosos circulavam com maior liberdade.
Mas o ponto principal dos acontecimentos em Santo Amaro é entender como a percepção em relação ao que representava as festas dos negros estava dividida em dois extremos. Para muitos, personificado no Conde da Ponte, era necessário proibir os negros de batucarem para não podem se reunir e iniciar uma revolta, porem o seu sucessor, o Conde dos Arcos, ira vir com outra mentalidade, que vem de encontro à flexibilização da escravidão e as festas como forma de melhor controlar os negros. Assim permitir e reprimir passou a compor métodos de administração da paz nas senzalas.
Outro momento analisado pelo autor, se da após a independência, quando os governos locais empregam grandes esforços para controlar melhor a população escrava. As medidas refletiam temores com a rebeldia escrava e com a disseminação dos costumes africanos, pois nesse momento os negros representavam a maior parte da composição demográfica de Salvador.
A partir de meados do século XIX, mudou-se a percepção em relação às festas, com maior quantidade de africanos de etnia nagô em Salvador, as festas não eram mais a divisão dos africanos, mas sim de reunião desses. Aumenta-se o temor em torno dessas reuniões, principalmente após a revolução dos males. Em 1835, qualquer batuque era confundido com atentado contra a escravidão. Mas alguns senhores ainda sim permitiam seus escravos de batucarem.
A imprensa criticava essas batucadas, em especial o Correio Mercantil, que reforçava esse medo da festa negra. Eliminar os batuques tinha uma idéia intimamente construída como forma de civilizar, à moda européia, a província baiana. Existia o interesse de diminuir a percepção que principalmente os viajantes por lá passavam, que Salvador era uma espécie de povoação africana. A batalha estava muito mais no aspecto cultural do que demográfico ou econômico. Os batuques representavam uma forma dos africanos manterem-se independentes mentalmente, segundo João Jose Reis. Para muitos a festa africana representava uma ameaça ao projeto de uma Bahia civilizada.
A partir da década de 1850, após o final do trafico transatlântico, havia a esperança de que agora conseguiriam com a diminuição da chegada de negros a Bahia vencer os batuques. Porem, os batuques irão se transformar novamente, e a partir dessa década, os batuques ocorreriam especialmente durante cerimônias religiosas.
A festa do Bonfim era a preferida da população, em especial pelos negros. Em 1855 os negros estavam sendo proibidos de participarem dessas festas. E essa discussão a respeito da participação dos negros tomou maiores proporções chegando a ser discutida na Assembléia Provincial. A discussão se dava no direito ao batuque ou proibi-lo de ser realizado principalmente em lugares públicos. Existiam entre os deputados aqueles que queriam proibi-lo expressamente e aqueles mais tolerantes que defendiam a festa ao menos no âmbito privado. Dessa disputa sai vencedor a linha que defendia o batuque como forma de liberdade, pois para esses os regulamentos e as leis já existentes, eram suficientes para coibir os excessos que essas festas poderiam ocasionar.
Sendo assim, podemos dividir as festas dos batuques em duas perspectivas. Aqueles que viam nela uma forma de ensaio para as revoltas, a repulsa moral e religiosa, que depois se transforma em medo após a revoltas dos males e a concentração de um maior numero de escravos de mesma origem especialmente os nagôs, e novamente se transformará, passando a ser preocupação com a resistência cotidiana, em especial a fuga temporária e a vagabundagem, que poderia ser favorecida pelas festas, com esse processo sendo encabeçado por autoridades conservadoras e o Correio Mercantil.
E numa outra perspectiva, mais flexível via nas festas uma forma de evitar as revoltas e os controlá-los, pois assim eles estariam menos propícios a se rebelarem, e também era um modo de assegurar algum direito civil para os negros.
A principal disputa em torno das festas ocorreu no âmbito do medo da africanização que estava sendo percebida principalmente em Salvador, onde as tradições negras eram marcantes e presentes no cotidiano, e era contra isso que lutavam aqueles que queriam transformar Salvador e a Bahia em uma civilização nos estilo europeu. Porem as raízes africanas permaneceram, como podemos observar os dias atuais.