sábado, 29 de outubro de 2011

BATUQUE NEGRO


Daniel Hipólito
Filipe Nacaratto
Vitor Braganholo

O autor para fazer um diagnóstico da situação do negro na Bahia busca entender como ocorriam as festas negras e também a participação dos negros nas festas em que eram muitas vezes apenas serviçais, nas primeiras décadas do século XIX. Mapeando-as não em relação a musica e cultura, mas nas relações de poder na sociedade escravista, tendo como ponto principal, o batuque, marca das festas de matriz negra, e representação mais fiel da experiência africana.
            As festas vão ser sempre uma forma de discussão em relação à sua representação e seu papel na sociedade. Havia uma multiplicidade de interpretações sobre as festividades negras: muitos a entendiam como meio de expressão da resistência escrava e negra no Brasil, outros condenavam assinalando-as como ensaio das revoltas, mas havia quem entendia como meio de controle social dos escravos, e alguns defendiam as festas como forma de liberdade do africano.
            Ao trilhar as transformações sobre a percepção da festas negras de batuque, o autor expõe três exemplos distintos para ilustrar o quadro. O primeiro é uma festa ocorrida no ano de 1808 em Santo Amaro, nas oitavas de Natal. Nessa festa, observa-se a perspectiva da divisão étnica, onde os negros se reuniam conforme a sua origem, embora essa divisão não fosse completa. Um dos pontos importantes destacado pelo autor é a comida, que havia sido paga pelos próprios negros, evidenciado pelo aferimento de renda, mostrando o relaxamento de certa maneira dos senhores em relação ao trabalho remunerado e a composições de pequenas plantações de subsistência. Outro ponto é que os próprios senhores liberavam os escravos para participarem dos batuques, sendo que alguns desses senhores inclusive assistiam àquelas comemorações.
            O autor destaca também a preocupação de alguns senhores e autoridades em relação à festa se desenvolverem até a noite, pois para eles, os negros deviam estar descansados para trabalharem no outro dia, e além do que a noite era o momento em que os demônios estavam a passear, e os negros revoltosos circulavam com maior liberdade.
            Mas o ponto principal dos acontecimentos em Santo Amaro é entender como a percepção em relação ao que representava as festas dos negros estava dividida em dois extremos. Para muitos, personificado no Conde da Ponte, era necessário proibir os negros de batucarem para não podem se reunir e iniciar uma revolta, porem o seu sucessor, o Conde dos Arcos, ira vir com outra mentalidade, que vem de encontro à flexibilização da escravidão e as festas como forma de melhor controlar os negros. Assim permitir e reprimir passou a compor métodos de administração da paz nas senzalas.
            Outro momento analisado pelo autor, se da após a independência, quando os governos locais empregam grandes esforços para controlar melhor a população escrava. As medidas refletiam temores com a rebeldia escrava e com a disseminação dos costumes africanos, pois nesse momento os negros representavam a maior parte da composição demográfica de Salvador.
            A partir de meados do século XIX, mudou-se a percepção em relação às festas, com maior quantidade de africanos de etnia nagô em Salvador, as festas não eram mais a divisão dos africanos, mas sim de reunião desses. Aumenta-se o temor em torno dessas reuniões, principalmente após a revolução dos males. Em 1835, qualquer batuque era confundido com atentado contra a escravidão. Mas alguns senhores ainda sim permitiam seus escravos de batucarem.
             A imprensa criticava essas batucadas, em especial o Correio Mercantil, que reforçava esse medo da festa negra. Eliminar os batuques tinha uma idéia intimamente construída como forma de civilizar, à moda européia, a província baiana. Existia o interesse de diminuir a percepção que principalmente os viajantes por lá passavam, que Salvador era uma espécie de povoação africana. A batalha estava muito mais no aspecto cultural do que demográfico ou econômico.         Os batuques representavam uma forma dos africanos manterem-se independentes mentalmente, segundo João Jose Reis. Para muitos a festa africana representava uma ameaça ao projeto de uma Bahia civilizada.
             A partir da década de 1850, após o final do trafico transatlântico, havia a esperança de que agora conseguiriam com a diminuição da chegada de negros a Bahia vencer os batuques. Porem, os batuques irão se transformar novamente, e a partir dessa década, os batuques ocorreriam especialmente durante cerimônias religiosas.
            A festa do Bonfim era a preferida da população, em especial pelos negros. Em 1855 os negros estavam sendo proibidos de participarem dessas festas. E essa discussão a respeito da participação dos negros tomou maiores proporções chegando a ser discutida na Assembléia Provincial. A discussão se dava no direito ao batuque ou proibi-lo de ser realizado principalmente em lugares públicos. Existiam entre os deputados aqueles que queriam proibi-lo expressamente e aqueles mais tolerantes que defendiam a festa ao menos no âmbito privado. Dessa disputa sai vencedor a linha que defendia o batuque como forma de liberdade, pois para esses os regulamentos e as leis já existentes, eram suficientes para coibir os excessos que essas festas poderiam ocasionar.
            Sendo assim, podemos dividir as festas dos batuques em duas perspectivas. Aqueles que viam nela uma forma de ensaio para as revoltas, a repulsa moral e religiosa, que depois se transforma em medo após a revoltas dos males e a concentração de um maior numero de escravos de mesma origem especialmente os nagôs, e novamente se transformará, passando a ser preocupação com a resistência cotidiana, em especial a fuga temporária e a vagabundagem, que poderia ser favorecida pelas festas, com esse processo sendo encabeçado por autoridades conservadoras e o Correio Mercantil.
E numa outra perspectiva, mais flexível via nas festas uma forma de evitar as revoltas e os controlá-los, pois assim eles estariam menos propícios a se rebelarem, e também era um modo de assegurar algum direito civil para os negros.
            A principal disputa em torno das festas ocorreu no âmbito do medo da africanização que estava sendo percebida principalmente em Salvador, onde as tradições negras eram marcantes e presentes no cotidiano, e era contra isso que lutavam aqueles que queriam transformar Salvador e a Bahia em uma civilização nos estilo europeu. Porem as raízes africanas permaneceram, como podemos observar os dias atuais.

REIS, João José. Batuque Negro: repressão e permissão na Bahia oitocentista. In: JANCSÓ, István & KANTOR, Iris. Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa. São Paulo: Edusp, 2001, p. 339-358.

BAHIÁFRICA: A INFLUÊNCIA DO BATUQUE NEGRO NA FORMAÇÃO CULTURAL BAIANA


Fabiana de Oliveira Andrade
João Paulo Bonome Neto
Maria Karolina Senarese Felix

            A cultura africana está presente fortemente no povo brasileiro. Desde os tempos de início de escravidão que o negro influenciou o brasileiro nos mais diversos âmbitos. É notável no estado da Bahia, por exemplo, a influência que as festas e os batuques negros provocaram, principalmente nos idos do século XIX, quando intenso debate foi gerado acerca da permissão ou repressão das manifestações festivas negras.
            O trabalho de João José Reis em seu texto "Batuque negro: repressão e permissão na Bahia oitocentista" demonstra esse debate em três diferentes momentos:
            1º: em 1808, quando o batuque e as festas negras causaram alvoroço na vila de Santo Amaro, dividindo as forças armadas de um lado, encabeçadas pelo Capitão-de-Milícias José Gomes e apoiada pelo padre local, Inácio dos Santos e também pelo governador da Bahia e capitão geral, o Conde da Ponte, que julgavam as danças e batuques promíscuos e também uma afronta à ordem local. Do outro lado haviam os outros brancos, senhores de engenho e políticos locais, que achavam a festa saudável para todos os lados, pois através do batuque o negro não se subverteria, como escreve o autor "(...) escravo que se diverte não subverte".
            2º: entre 1835 e 1841, entre os eventos do levante malês e as celebrações de coroação de Pedro II. O autor analisa principalmente as divulgações do Correio Mercantil, um periódico da época que, ao menor sinal de batuque ou manifestação festiva dos negros, logo noticiava a possibilidade iminente de levante e rebeldia por parte deles. O medo é o foco nesse momento do texto e a imprensa do Correio só fez disseminá-la, fazendo o povo temer um levante negro. Na verdade, a intenção do periódico era fazer com que a cultura afro fosse rebaixada, visto que se tentava uma certa europeização da Bahia e cada vez mais as festividades negras ganhavam adeptos "de todas as qualidades", conforme o próprio jornal cita em uma das matérias. O centro da rebeldia negra, nesse caso, não era de levante revoltoso contra a escravidão de seus corpos na maioria das vezes, seus batuques poucas vezes se convertiam em fugas, como gostava de divulgar as ameaças o periódico, mas significavam algo mais, a resistência negra a ter sua cultura, mente e alma escravizados também. Era através do batuque e da dança que o africano e seus descendentes negava deixar suas origens para trás.
            3º: década de 1850, quando a cultura negra foi caracterizada como barbárie pelos chamados baianos civilizados. O batuque era reprimido em um local e ressurgia em outro, com isso o cerco ia se fechando até que resultou em uma discussão na Assembléia Provincial baiana em agosto de 1855. Na discussão, mais uma vez houve a presença de dois lados divergentes. Em um dos lados dois deputados, de nomes Antônio Luís Afonso de Carvalho e José Pires de Carvalho e Albuquerque mostravam-se contra os batuques, que julgavam imorais, promíscuos e que também poderiam gerar rebeldia, além de considerar o batuque meramente como "vozeria", ou seja, barulho, que irritava os ouvidos dos "civilizados". Do outro lado estava o médico e jornalista liberal João José Barbosa de Oliveira, que defendia o ato do batuque como manifestação cultural quando realizadas em local privado, pois defendia que o privado não era de alçada das câmaras, bem como também saía em defesa do batuque comparando-o a qualquer tipo de música, onde a "vozeria" não era barulho, mas sim vozes exaltadas, que poderia altear-se.
            Nestes três momentos citados, muito em comum é encontrado, mas um fato chama a atenção: os baianos não sabiam se permitiam ou se reprimiam o batuque negro. Ora encarado como manifestação benéfica, ora encarado como o prenúncio de uma revolta. O medo do branco com um levante misturava-se à alegria e contágio causados pelos batuques e danças africanas e acabou por conquistando o baiano.
            Pouco a pouco, o negro civilizou, a seu próprio modo, africanamente uma Bahia em século XIX, onde poderosos buscavam exaltar sua cultura por algo que definitivamente não era: européia. A Bahia oitocentista mostrada no texto de Reis é uma Bahia, acima de tudo, negra, caracterizada por levantes, festas e ritmada pelos batuques dos atabaques, tanto combatidos em vão.
            A herança africana na Bahia até hoje é vista (muito mais do que uma herança européia que tentava ser forjada em idos de 1800) em seus mais diversos âmbitos, como pode-se ver musicalmente, onde a herança do batuque foi mais evidente (afinal, o Olodum é de Salvador, fundado em 1979, e executa uma senhora batucada em seus muitos instrumentos de percussão).
            O negro africano na Bahia, bem como seus descendentes, saíam batucando e dançando não somente para levantar-se contra o sistema escravista, mas principalmente para exaltar suas próprias identidades oriundas do continente, da mãe África, buscando afirmar que seus corpos poderiam estar escravizados, mas não suas mentes e culturas.

REIS, João José. Batuque negro: repressão e permissão na Bahia oitocentista in JANCSÓ, István, KANTOR, Iris (orgs.). Cultura & Sociabilidade na América Portuguesa, volume I. São Paulo: Hucitec: Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp: imprensa Oficial, 2001.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Reis do Congo no Brasil

André Luiz Furtado
Cassiano Mendes
Lennon Cordeiro Silveira
Priscila Perroni
Renato Furtak
Stefani Silveira
Thiago Pedrosa

O estudo historiográfico de Elizabeth Kiddy em Quem é o rei do Congo? tenta explicar o surgimento, o desenvolvimento e a função dos reis do Congo no Brasil.
Os africanos escravos de modo geral desenvolveram uma prática de eleição de reis e rainhas, no caso do Brasil, os reis do Congo tinham um significado simbólico de conexão entre afro-brasileiros e as estruturas políticas africanas e aos seus antepassados africanos. Esta conexão fez criar uma identidade compartilhada entre as partes da comunidade negra, aprofundando os laços entre si, e seus passados. A prática da eleição de reis e rainhas fazia parte da criação de um ritual de memória, unicamente brasileiro, compartilhado entre as comunidades afro-brasileiras.
As funções dos reis africanos e afro-brasileiros, antepassados do rei do Congo, eram muito variadas. Resumindo, estes reis aparecem como líderes comunitários que supervisionavam o trabalho das associações de artesões negros, como chefes de revoluções, como líderes eleitos nas irmandades religiosas e como cabeças de rebeliões nos mocambos e quilombos.
Kiddy nos apresenta o problema da mistura de reis do Congo com reis negros, este segundo, que segundo a autora, é um termo mais geral para reis de quaisquer nações. Há estudiosos que denominam reis negros de reis do Congo, mesmo em situações em que não havia registro na documentação da existência do rei do Congo. Esse processo de simplificação que identificava todos os reis negros de reis do Congo julgar que este personagem foi uma forma de domínio social imposto de cima para baixo, e que esses reis não possuíam força alguma. Entretanto, a autora descreve a figura dos reis como parte de um processo de continuação da cultura centro-africana entre os afro-brasileiros. Reinados negros e reis do Congo gradativamente se afastam de distinções étnicas e vagarosamente vai se constituindo uma cultura afro-brasileira.
Voltando para os séculos XV e XVI, estudamos o papel desempenhado pelos reis na África e estes nos fazem entender a função dos reis nas colônias americanas. Os reis africanos tinham posições rituais importantes que mediavam vários níveis de relações sociais, religiosas e políticas; eles uniam as pessoas entre si e a tudo que existia. Nesta época o rei do Congo se tornou para os europeus, a alegoria máxima de convertimento africano ao cristianismo, entretanto, o rei do Congo entendia a religião cristã como extensão do seu próprio rito de poder. Essas divergências de entendimento causaram um mal entendido religioso, mas apesar disso a maior partes do centro-africanos se tornaram cristãos e participou das irmandades negras leigas.
As irmandades funcionavam como centros sociais e de ajuda recíproca, e eram os lugares ideais para recriar a comunidade africana no Brasil. As nomeações de reis com posição ritualística, política e militar serviam para reafirmar a identidade, o poder e a comunidade africanas. Os jesuítas auxiliaram a criação de irmandades do Rosário em todo o sertão brasileiro do século XVII, e já em meados do século XVIII, os reis já eram representantes oficiais nas irmandades religiosas leigas e nos quilombos. Mas o crescimento da população negra escrava, com a descoberta do ouro, fez nascer o sentimento de ameaça e medo de insurreições entre as autoridades, a partir daí cresce o número de tentativas de banimento das coroações das irmandades. Mas mesmo com as proibições, as irmandades continuaram a eleger reis e rainhas para conduzirem as organizações religiosas. Com isso podemos entender que a eleição de reis e rainhas já havia se tornado um “costume estabelecido” em todo o Brasil, como entende Kiddy.
No final do século XVIII os reis negros passam a ser chamados de Reis do Congo, denominação que começa a ser usada no sentido além do étnico, que é o de líder de uma comunidade de escravizados e pessoas libertas. Este rei possuía competências tanto políticas como habilidades rituais religiosas de seus ancestrais africanos. O rei do Congo é designado líder da descendência africana e recebe a lealdade dos várias nações africanas, ele era tido como o representante e governante destes povos.
O rei do Congo aparece primeiramente em 1760, nos registros de um casamento de uma princesa do Brasil, com seu tio Dom Pedro. A autora afirma que a população nesta época havia criado uma afeição pelos festejos africanos de coroação do rei do Congo, e que não se sentiam ameaçados pela festa. O título de rei do Congo aparece freqüentemente nos registros coloniais das irmandades do Rosário, e estes registros apontam diferenças entre os reis do Congo dos reis e rainhas negros eleitos todos os anos, pois o rei do Congo normalmente aparecia às escondidas das vistas das autoridades.
O rei do Congo, através de seu simbolismo, evidencia a procura por uma identidade coletiva afro-brasileira. Ele representava uma tática de preservação da ligação cultural entre o Brasil e a África Central, além de auxiliar na criação de uma nova cultura e identidade, a afro-brasileira.

KIDDY, Elizabeth W. Quem é o Rei do Congo? Um novo olhar sobre os reis africanos no Brasil. In: HEYWOOD, Linda M. Diáspora Negra no Brasil. São Paulo: Ed. Contexto, 2009, p. 165-192.

Reis negros e reis do Congo no Brasil: estratégia contínua de preservar a ligação com a África

Angélica Alves
Mariana Pereira Garcia
Paula Fernandes Henrique

 Ao se estudar a história referente aos negros vindos da África para o Brasil, a partir do período colonial, dentre os pontos que nos chama a atenção, se tem à existência de comunidades afro-brasileiras, nas quais é perceptível nas manifestações culturais, elementos da tradição africana e europeia. Com isso, é possível ver a formação de uma cultura afro-brasileira que possui uma mescla de elementos e que vão servir como forma de identificação e também de resistência entre os africanos e seus descendentes aqui do Brasil.
               Nesse sentido, ao abordar a temática dos reis negros no Brasil, faz-se necessário retomar a existência dos mesmos na África e compreender o seu papel na sociedade, uma vez que no Brasil, os reis negros assumiram, geralmente, funções de liderança nas irmandades nas quais eles pertenciam. Na África, entretanto, eles ocupavam tanto funções políticas quanto econômicas.
Quando os portugueses chegaram ao continente africano, no decorrer do século XV, encontraram no Congo um reino já consolidado. No entanto, aconteceu um fenômeno interessante neste momento: nas regiões controladas por portugueses, principalmente no Congo, ocorreu a conversão africana ao Catolicismo europeu. Sobre este aspecto Elizabeth ressalta que havia um “mutuo mal- entendido”, já que o catolicismo cultuado na África era apenas uma reinterpretação do mesmo por parte dos adeptos africanos, sendo geralmente associado a uma nova proteção contra a feitiçaria, comum na região centro-africana. A autora ressalta que uns dos elementos que ligavam esses dois catolicismos era a dualidade entre o sagrado e o profano. Assim, ao longo do tempo, os africanos adotavam práticas cristãs para expressar suas crenças tradicionais, o que será possível ver com as Irmandades religiosas negras que passam a surgir no Brasil.
             Essas Irmandades leigas foram importantes espaços onde era possível ver inúmeras festas católicas, além de realizarem a caridade e trabalhar na sociabilidade dos africanos e afrosdescendentes em um país diferente daquele de origem, fazendo com que elementos da cultura africana se fizessem presente em terras americanas. Eram nessas Irmandades leigas, como por exemplo, a de Nossa Senhora do Rosário, uma das primeiras a ser fundada em terras brasileiras, mais precisamente no nordeste do país, que era possível ver a nomeação de reis e rainhas negras, dotados de poder ritualístico, militar e político. A coroação de reis e rainhas, na Irmandade do Rosário, por exemplo, contava com a celebração de uma missa no dia das coroações, além de também serem presentes, nestes rituais, muitas danças e cantos. Isso mostra bem a ligação entre elementos católicos e elementos da cultura africana.
  É importante lembrar que, no século XVIII, o número de Irmandades, no Brasil, cresceu junto com o número de escravos que aqui chegavam. Os principais destinos eram as capitanias de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e também no Rio de Janeiro. Esse crescimento do número de escravos, de Irmandades e, conseqüentemente, de fugas e formação de quilombos, levaram as autoridades a ver nessas Irmandades negras uma ameaça constante. Assim, tentaram banir a coroação, em alguns lugares, como por exemplo, em Salvador.  Como punição para os escravos que participassem dessas coroações estavam desde castigos corporais até isolamento total em relação aos outros negros.
                No entanto, mesmo com a proibição e as restrições feitas por Portugal no século XVIII, já que com o governo de Pombal a centralização do poder nas capitanias se faz presente, a coroação de reis e rainhas entre os negros apresentou-se como um costume recorrente em todo o Brasil. Os reis negros, termo usado para se referir a reis de nações, estavam presentes em festejos dinásticos, festas religiosas e comemorações de honra. Ainda é preciso ressaltar que no século XIX, os reis negros passaram a ser chamados reis do Congo, uma forma de referência ao papel que esses reis negros possuíam no Brasil.
Importante lembrar que essa denominação, no Brasil, advém da importância e fama que o rei do Congo possuía. Assim, quando se muda o nome de títulos étnicos para “Reis do Congo”, nota-se a emergência de uma identidade coletiva e da própria cultura afro-brasileira. Essa identidade compartilhada é a continuação da cultura centro- africana entre os afro-brasileiros, pois os reis do congo ligam os afro-brasileiros a estruturas políticas que remetem a África.
Assim, essas Irmandades que tinham como líderes reis e rainhas do Congo, serviram como uma forma de manter os laços com a África e a cultura advinda de lá. Elas tinham o papel de perpetuar alguns elementos da cultura africana que poderiam se perder ao longo do tempo. Percebe-se que esses reis e rainhas, continuam a ter sentido para a população que representam e se destacam pela formação de novas identidades.

KIDDY, Elizabeth W. Quem é o Rei do Congo? Um novo olhar sobre os reis africanos no Brasil. In: HEYWOOD, Linda M. Diáspora Negra no Brasil. São Paulo: Ed. Contexto, 2009, p. 165-192.

domingo, 9 de outubro de 2011

Das ruas aos terreiros: a formação da religiosidade afro-brasileira

Camila Comerlato
Ciro Chiarelli
Melissa Toledo Borges
Raphael Gomes de Almeida

Luis Nicolau Parés, especialista na área da história e antropologia das populações afro-brasileiras e da África Ocidental, com foco principal sobre suas religiões, etnicidades e antropologia visual, aborda em seu texto “Do Calundu ao Candomblé: o processo formativo da religião afro-brasileira”, os principais aspectos que rondavam os rituais afro a partir do século XVII, principalmente no que tange ao sincretismo religioso e sua importância na formação da sociabilidade religiosa afro-brasileira.
O autor reflete sobre a estrutura das religiões, utilizando como alicerce o pensamento sociológico de Ioan M. Lewis, diferenciando-as segundo a sua organização. De acordo com a análise, as religiões se dividem entre instituições centrais e instituições periféricas. As primeiras caracterizam-se como arcabouço de controle social e econômico da sociedade e as últimas agem na marginalidade da conjuntura vigente, sendo mais flexíveis e dinâmicas. Foi dentro do quadro referencial desta última que se situam no Brasil, entre os séculos XVII e XIX, os calundus, termo genérico para designar os aspectos ritualísticos das crenças africanas, desde festas religiosas aos místicos videntes e curandeiros.
A partir da migração forçada pela escravidão de indivíduos originais de determinadas regiões africanas, negros escravos encontraram nas expressões religiosas por eles trazidas, um espaço fecundo para sua própria sociabilidade, se agrupando por práticas e rituais comuns. Em um primeiro momento, quando o fluxo de escravos vindos para o Brasil era constante, a associação por grupos étnicos era mais comum e definiam o conceito de nação de acordo com a proveniência africana. Com o minguar do tráfego de escravos, as associações étnico-políticas, gradualmente perdem esse caráter e as nações se reestruturam com paradigmas teológicos, fundamentando a institucionalização do Candomblé. A partir desse momento, um indivíduo poderia fazer parte de várias nações ao mesmo tempo, dependendo apenas da ‘iniciação’ religiosa.
Dicotomicamente às religiões de revelação, as crenças africanas eram baseadas na ideia de “fortúnio-infortúnio”, definidoras do aspecto utilitário da fé, onde a religião procuraria sanar os problemas mundanos, provendo conforto e superação diante das mazelas da vida e conseguir a gratificação esperada com a devoção. Esse modelo pode ser aplicado à inteligibilidade do catolicismo popular, com seus santos e promessas, garantindo uma sincronia com as crenças africanas, o que facilitou a adesão do catolicismo por parte dos negros e possibilitou o sincretismo religioso presente na religiosidade afro-brasileira. Os negros participavam tanto do misticismo calundu quanto do misticismo católico, o que não parecia contraditório. Havia irmandades católicas de negros encorajadas pelas elites senhoriais que podiam ser legitimamente católicas, mas também podiam nutrir elementos de imbricamento com o legado pagão. Isso não exclui a existência de grupos que às utilizavam como fachada para ocultar a adoração de suas verdadeiras crenças. O cenário brumoso e inconstante da prática e sociabilidade religiosa fomentava constantes atritos com a religião-central, a igreja católica, que mantinha vigilância sobre as irmandades negras. O texto apresenta relatos de perseguição aos calundus que ocasionava freqüentes prisões, a igreja não distinguia as práticas que visavam malefícios das benignas, considerando todas “feitiçaria”.
As principais práticas dos calundus, evidenciando seu caráter de “fortúnio-infortúnio”, eram o curandeirismo e a vidência, executadas por místicos mais ou menos autônomos, com um secto limitado de seguidores e de práticas nômades. Gradualmente, com o estabelecimento da necessidade social de tais práticas, que aderiam inclusive adeptos brancos, os calundus avançaram em complexidade nas suas práticas sociais e passaram a erigir altares onde estabeleciam locais fixos para manutenção de seus ritos, o que não substituiu a existência de práticas individuais e congregações inferiores. A partir desses espaços ritualísticos deram-se no início do século XIX a consolidação de uma rede social extra-doméstica que de sua interação possibilitaram o surgimento de uma religiosidade afro-brasileira sólida, exemplificada pelas nações do Candomblé.
Conclui-se que o Candomblé, bem como outras práticas culturais de origem americana são fruto de um processo dialógico de reestruturação e ressignificação da herança africana e não africana, estabelecendo a gênese de elementos culturais nativos próprios do contexto onde surgem.

PARÉS, Luiz Nicolau. Do Calundu ao Candomblé: o processo formativo da religião afro-brasileira. In: A Formação do Candomblé: história e ritual da nação jeje na Bahia. Campinas: Editora Unicamp, 2007, p. 101-123.

O processo formativo da religião Afro-Brasileira.

Flávio Rodrigues Andrade
Maiara Mano
Rebeca Oliveira de Lima

Inicialmente os rituais religiosos no Brasil eram vistos como grupos étnicos que em comemorações festivas se dividiam de acordo com suas especificidades culturais como: linguagem, cantos, os instrumentos e a forma de tocá-los. Esses grupos inicialmente são chamados de nações étnicas e posteriormente nação de candomblé, resultado das mudanças religiosas que diferenciaram o conceito de nação étnica do de nação de candomblé.
À medida que a religiosidade vai ganhando mais importância, à religião passa a substituir a origem territorial e também as relações de parentesco dos africanos. A iniciação ao terreiro de candomblé passa a determinar sua nação, agora de caráter religioso, ambas se resumem ao nome do santo o qual o terreiro cultua.
A população africana foi transladada para o Brasil, trazendo para o Brasil “fragmentos de cultura”.
A formação de instituições afro-brasileiras se efetivou com as estruturas sociais complexas, que acomodavam as múltiplas culturas africanas.
Houve na América a reconstrução do “complexo fortuna-infortúnio”, como uma forma de resistência cultural e como uma necessidade para enfrentar os infortúnios e tempos difíceis (como exemplo a própria escravidão).
Passa se a ter um sincretismo afro-católico do Candomblé que encontra suas raízes nas duplicidades de práticas que surgiram no século XVII e se desenvolveu mais no século XVIII, um termo bastante usado para designar tais práticas, que são desde “ritos supersticiosos e gentílicos”, “pretos feiticeiros” especialistas nas “artes diabólicas” e etc., era o “calundu”.
Os calundus designavam também grupos com práticas rituais coletivas, em vez de realizarem apenas o processo de curador-cliente.
Confeccionavam altares e sacrificavam bodes vivos, santos de barros, pintavam seus corpos, benziam alimentos acreditando que trariam sorte, fortuna, etc. As práticas de altares realizados as escondidas são realizados pelos antecessores do candomblé do século XIX. Os rituais de cura e feitiçaria tem por objetivo a obtenção de amuletos, mandingas, já o sistema de altar-oferenda são "complexos materiais sacralizados!, de propriedade familiar coletiva, habitat de divindades.
No século XVIII os jejes eram o grupo demograficamente mais importante da Costa Africana na Bahia. Em oposição aos cultos congo-angola é que se organizaram cultos domésticos nas casas e roças, muitos alugavam casas onde realizavam esses rituais, uma forma de cooperação entre os africanos. Alguns calundus não utilizavam o tabaque para manter a descrição e evitar sua prisão.
Os jejes desenvolve no Brasil a tradição dos altares, que são complexos materias dedicados à divindades, onde no final do século XVIII se volta em torno de uma única divindade.
Havia também o problema da institucionalização da religião afro-brasileira que se deu por meio do progressivo nível de complexidade social e ritual, segundo o autor.
Mesmo diante da institucionalização dos cultos de práticas individuais as coletivas, ainda persistiram as congregações de porte menos e a perpetuação dessas práticas individualizadas.
Já no séc XVIII, funcionavam congregações extradomésticas, sendo esporádico e pouco estável, segundo a documentação.
Bastide defende a idéia de mudança nos cultos ao longo da chegada de novos africanos, ele acredita que somente no século XIX consolida-se uma rede social de congregações extradomésticas através de uma cooperação, desenvolve uma "comunidade religiosa afro-brasileira" e o surgimento do Candomblé.
Para o autor as práticas de cura e adivinhação é mais provavél que seja originária da África Central. O processo de reinstitucionalização das práticas religiosas africanas no Brasil passou por um processo de reconfiguração, ressignificação de elementos africanos de diversas origens.
A organização de tipo eclesial, que deu lugar ao Candomblé tem-se pensado na possível influência de irmandades católicas e maçônicas. Havia entre a África e o Brasil condições e dinâmicas sociais semelhantes.

 PARÉS, Luis Nicolau. Do Calundu ao Candomblé: o processo formativo da religião afro-brasileira. In: _______. A formação do Candomblé. História e ritual da nação Jeje na Bahia. Campinas: Unicamp, 2007, p. 101-123.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Nascimento da Cultura Afro-americana: uma perspectiva antropológica

Bárbara Larissa Bento
Carolina Braga
Luiz Fernando Perez
Raquel Chaib

O texto apresentado em sala de aula no dia 06/10/2010 é composto pela introdução, primeiro e segundo capítulos do livro O Nascimento da Cultura Afro-americana: uma perspectiva antropológica. Publicado em 1973 pelos autores Sidney Mintz e Richard Price, a obra surge logo após a luta pelos direitos civis e o surgimento dos primeiros currículos de estudos afro-americanos nas universidades estadunidenses.
Como o próprio título releva, trata-se de uma perspectiva antropológica acerca da história da cultura afro-americana. Mintz e Price abordam a instalação inicial dos africanos na América e a sua interpenetração com as comunidades europeias para traçar a base das características que as comunidades afro-americanas viriam a adquirir.
            Durante o povoamento da América os autores ressaltam que nenhum grupo conseguiu transpor seus valores de maneira intacta por melhores que fossem as condições. Mesmo os europeus dispondo da liberdade e da norma para organizar seu meio social não tinham como garantir uma transmissão cultural satisfatória, porém o caráter dessas transposições e suas transformações posteriores os fazem crer numa maior continuidade no caso afro-americano.
            A primeira diferença se refere ao modo com que foi praticado o povoamento por africanos e europeus. Os europeus povoaram o novo mundo vindo de províncias de diversos Estados Nacionais que compartilham uma língua oficial comum, isso traduz numa composição homogênea da ocupação. Já os africanos foram retirados de diversas áreas que possuíam numerosos grupos étnicos e linguísticos somando-se os fatores coercitivos e industriais do escravismo sua ocupação se tornou heterogênea.
            Partindo de tal pressuposto os autores não acreditam que os africanos escravizados eram capazes de compartilhar uma cultura como faziam os europeus oriundos de uma determinada região.
O desenvolvimento das colônias europeias, abastecidas cada vez mais por mão de obra escravizada gerou a criação de sociedades divididas ponto de vista cultural, estético e institucional. Em geral eram pequenos grupos de europeus exercendo seu poder sobre uma grande maioria africana.
            Ao aprofundar as discussões entorno da origem e formação das comunidades afro-americanas no novo mundo, os autores apresentam um modelo antropológico que postula a existência de dois blocos culturais, um africano e outro europeu. Para pensar a cultura africana os acadêmicos são obrigados a postular a existência de uma herança cultural generalizada, ou afirmar que boa parte dos africanos de determinada colônia pertence ao mesmo grupo étnico ou tribal.
            A segunda hipótese do modelo antropológico é logo descartada, já segundo os autores, o conceito de herança cultural africana precisa ser aprimorado. Se definirmos cultura como um corpo de crenças socialmente padronizadas que servem de guias para um grupo, o termo não pode ser atribuído as massas de indivíduos escravizados distantes de seus meios políticos.
            Os autores concluem, portanto que a multidão heterogênea de indivíduos sob uma condição de status inferior e que compartilham traços subconscientes de uma origem comum pode ter servido de catalisador nos processos pelos quais eles foram capazes de forjar suas próprias instituições. Os africanos na América então só puderam se constituir como comunidade e partilhar uma cultura na medida e na velocidade que eles mesmos as criaram.
           
Texto: MINTZ, Sidney; PRICE, Richard. O Nascimento da Cultura Afro-americana: uma perspectiva antropológica. Rio de Janeiro: Pallas, 2003, p. 19-58. 

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O Nascimento da Cultura Afroamericana

Daniel Rosa
Joice Prado
Luiz Fernando Sampaio

Oferecendo uma perspectiva antropológica acerca da instalação inicial dos africanos no Novo Mundo, os autores Sidney Mintz e Richard Price, acreditam que esse início carrega em si as “linhas de base” que caracterizariam as comunidades afro-americanas posteriormente.
No processo de colonização da América portuguesa, mostram que é desnecessário enfatizar que europeus e africanos tiveram participações muito diferentes. Entretanto, acreditam que no processo de transposição de suas culturas (levando em consideração que nenhuma pode se manter intacta ao transferir-se de um lugar a outro), os europeus podem se dizer mais homogêneos do que os africanos.
Ainda que afirmem ser a tese proposta de caráter provisório, e aqui sem dúvida nenhuma pisando em terreno delicado, acreditam que mesmo os europeus possuindo algumas diferenciações entre si devido às diferenças de localidades em que viviam anteriormente, possuíam mais condições de se assumirem enquanto comunidade do que os africanos, retirados como eram de diferentes partes do continente, que muitas vezes pouco ou nenhum contato tinham entre si.  
Partindo de uma postura crítica frente à Antropologia tradicional que durante muito tempo encarou a África como detentora de traços culturais únicos e homogêneos, os autores afirmam que dificilmente pode-se aplicar o termo “cultura” para caracterizar o período anterior à colonização. Nas próprias palavras dos autores, a única coisa que os escravos compartilharam no começo, inegavelmente, era sua escravidão.
Nesse sentindo concordamos com os mesmos, já que partindo de lugares muitas vezes extremamente diferentes entre si, os primeiros africanos podiam mais ser considerados uma multidão heterogênea do que uma comunidade que rapidamente desenvolveu algum sentindo igualitário apenas por pertencer ao mesmo continente. Se pensarmos nos processos históricos que regeram o período colonial e, mais que isso, regeram as ações humanas, não podemos simplificar nosso pensamento ao cair no lugar comum de acreditar que em um curto espaço de tempo duas ou mais pessoas começariam a se entender enquanto pertencentes a uma mesma cultura.
Nessa linha de pensamento, mostram que qualquer traço de cultura que venha posteriormente caracterizar-se enquanto única na comunidade africana, foi antes de tudo construída pelos mesmos.  Para que as comunidades ganhassem forma, nas palavras dos autores, padrões normativos de conduta tiveram de ser criados, e esses só poderiam ser criados mediante determinadas formas de interação social.
Assim, a criação de instituições que se mostravam necessárias à vida cotidiana foi a grande tarefa organizacional dos africanos escravizados, ainda que dentro das condições limitantes que a realidade lhes impunha. “Instituições”, aqui, ficam definidas pelos autores como qualquer interação social que passasse a ser recorrente: determinada forma de culto, um dado padrão para o estabelecimentos de amizades, formas de realizar casamento, entre outros.
Utilizando como exemplo a língua, os autores também buscam demonstrar a complexidade que envolve o termo “cultura”. Mostram que no início a variedade de línguas falada era imensa, sendo a única comunicação comum os “pidgins”, linguagem abreviada utilizada principalmente no comércio e que provavelmente foi a primeira forma de contato entre senhores e escravos. Posteriormente, essas contrações da língua começaram a ganhar contornos populares, servindo para a comunicação geral. Por fim, quando esse tipo de linguagem deixa de ser apenas um “pidgin” e começa a ser ensinada às crianças como língua natural aceita, ela passa a ser “crioula”.
Nesse sentido, mostram que não basta nos atermos ao estudo da estrutura, sintaxe e morfologia de uma língua crioula, mas também nos atermos a discussão de como essa língua é utilizada, por quem e em que circunstâncias sociais. Os conjuntos sociais e culturais, na concepção dos autores, devem caminhar juntos, posto que tratar a cultura apenas como um conjunto de traços similares é perder de vista a forma como as relações sociais são feitas através dela.
Para os autores, a maior contradição do sistema escravocrata – que permitiu a adaptação e posterior resistência por parte dos negros – está no fato de que os senhores tratavam seus escravos como bens e maltratavam-nos como animais, mesmo assim, exigiam que se comportassem como homens. Entretanto, sabendo esses senhores que um animal não aprenderia uma língua nova e nem elaboraria formas de resistências ativas ou veladas, ainda sim não os admitiam enquanto seres humanos.
Sendo essa a contradição fundamental do sistema, quando levada em conta, mostra que uma sociedade divida apenas em duas camadas se tornava impossível. Ainda que os senhores interiormente esperassem que com a postura e os castigos corretos os escravos terminariam por reconhecer sua condição de inferiores, o fato de saberem que lidavam com seres humanos, tanto quanto eles, inviabilizava o projeto de manter um sociedade baseada no status, transformando essa em uma idéia ilusória.
Como lembram os autores, as relações entre livres e cativos se deu de forma complexa, permeada pela consciência da dependência mútua. Os escravos não eram apenas mão-de-obra nas plantações de cana, mas também artesãos, carpinteiros, criadores de animais, etc, dentro e fora das casas grandes. Aos poucos, para além dos trabalhos que originavam rendimentos, os escravos adentraram as casas dos senhores para cuidarem dos bebês e fazer a comida. Assim, era clara a relação de “dar e tomar”, da qual ambos os lados tinham consciência. Os escravos sabiam que os senhores eram dependentes de sua força de trabalho, fosse ela qual for, mas também sabiam que aqueles possuíam meios eficazes de castigo e tortura, separação forçadas de famílias, dentre outros.
Essa consciência e o contato entre as duas camadas, entretanto, não diminuía o abismo social que as separava. Ameaça real, porém, começou a se fazer com o surgimento de uma camada intermediária, a dos crioulos, fruto das relações sexuais inevitáveis. O lugar social desses era incerto e ameaçava romper o sistema dual. Esse meio ligeiramente confuso começa a ganhar força quando os escravos passam a fazer parte efetiva da sociedade, como negociantes (posto que também possuíam seus próprios pequenos pedaços de terra, onde cultivavam sua subsistência), como músicos nos bailes e festas, camareiros, acompanhantes, damas de companhia, amas de leite e até mesmo educadores.
Assim, os autores mostram que é corrente pensarmos no poder e influência que as classes dominantes exerceram sobre as inferiores, mas que a via contrária também deve ser lembrada, já que os escravos afetavam e até controlavam partes importantes da vida dos senhores. Dessa forma, constroem um panorama profundamente dual e dividido pelo status, mas complicada principalmente pelo contato freqüente e profundo de ambos os lados.

Texto: MINTZ, Sidney; PRICE, Richard. O Nascimento da Cultura Afro-americana: uma perspectiva antropológica. Rio de Janeiro: Pallas, 2003, p. 19-58.