sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Conceituações ideológicas de Igualdade e Diferença


Caio César Vioto de Andrade
Fabiano Segismundo
Marco Antônio Teodoro de Souza
Rafael dos Santos Andrade
Renan B. Ruiz
  
O artigo de Antônio Flávio Pierucci se caracteriza pela fala de um autor de esquerda dialogando com a esquerda. Procura desmistificar a ideia de diferença no Brasil contemporâneo; ao desvendar a ótica do diferente dentro da cultura brasileira, o autor mostra que o discurso de pluralidade acaba por se tornar uma armadilha quando esta se torna uma bandeira defendida pela Esquerda. Segundo Pierucci, sua proposta no artigo é debater “com todos aqueles que, sustentando posições de esquerda hoje no Brasil, procuram fazer da diferença uma boa causa pela qual lutar, uma boa idéia a ser defendida, difundida e ensinada”, trazendo reflexões à esquerda que englobou na sua militância a defesa de minorias ou grupos historicamente excluídos.
            Nesse texto, partindo de uma pesquisa em realizada entre 1986 e 1987, em bairros de classe média de São Paulo, além da pesquisa de Hans J. Eysenck na década de 1940, o autor identifica paradigmas do discurso conservador, mostrando as similaridades entre a sociedade brasileira da década de 1980 e a inglesa de quarenta anos anterior à data da publicação de seu artigo, mesmo com todas as diferenças entre as duas sociedades. Nessa perspectiva, Pierucci destaca que a diferença é uma bandeira do conservadorismo, que teria surgido com a Direita no fim do século XVIII, com a Revolução Francesa. A chamada Restauração, ao destacar as diferenças entre as pessoas, estava confrontando os ideais da Revolução representados pelos princípios da Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Nesse contexto, a Direita manteve-se apregoando a defesa das antigas tradições hierarquizantes. De acordo com o autor, o discurso de diferença fundado pela ultra-direita na Revolução Francesa, com as mudanças históricas sofridas nas ultimas décadas, aparece hoje no discurso da Esquerda e confunde-se dentro de uma lógica de defesa dos direitos de movimentos sociais como o dos negros, índios, mulheres e homossexuais. No texto é enfatizado como a esquerda se apropriou do discurso da diferença, que é defendida historicamente pelo ultra-conservadorismo, que a considera natural entre os homens, seja com abordagem étnica (brancos superiores aos negros), de gênero (homens são melhores que as mulheres) ou mesmo econômica, visando uma idéia que uns são melhores e mais esforçados que outros.
            Pierucci destaca o trabalho de campo feito com pessoas direitistas “leigas”, não intelectualizadas, e mostra que o racismo como conceito de diferenciação, separação e definidor das condições sociais encontra força no senso comum, estruturalizado historicamente, mas delineado dentro de uma ideia meritocrática, como ele indica através de uma entrevista com uma aposentada. Tal discurso, longe de ser exceção, está enraizado mentalmente na cultura conservadora paulista – ou mesmo brasileira. A defesa do conceito de diferença, e aqui até mesmo do racismo, mostra a ótica paradigmática que conservadores possuem; são pragmáticos. Esse pragmatismo é simples, a diferença não é apenas natural, mas também responsável pelo delineamento e manutenção da ordem. É como se o negro, ou a mulher, por serem diferentes, ocupassem seu papel na ordem da diferença natural estabelecida. Não é por acaso que  Pierucci sinaliza com isso as construções de estereótipos, que são maneiras de realçar as diferenças defendidas pelo conservadorismo.
Nesse sentido, a defesa das diferenças pela Esquerda acaba por criar barreiras e distorções no seu próprio discurso. A esquerda, com o advento dos novos movimentos sociais, e também por sua própria reconfiguração, tenta reivindicar a defesa das diferenças e da pluralidade em seu bojo ideológico. Entretanto, o autor frisará as confusões conceituais que poderão gerar através dessa análise que acaba por se tornar instável teoricamente. O maior exemplo é o caso da SEARS, onde a Historiadora feminista Kessler-Harris acaba por entra em uma armadilha teórica ao ser testemunha contra a empresa em questão. A tentar usar o conceito de diferença e não de igualdade, acabou por deslegitimar sua defesa sobre a discriminação feminina, dando ganho de causa à SEARS – que diferenciava os cargos atribuídos aos homens e mulheres, apesar de ser a maior empregadora privada de mulheres nos EUA. Esse caso mostra como o discurso de diferença na direita é, além de consistente, coerente (o que não significa ser verdadeiro). Pierucci defende que, apesar de não ser correto negar totalmente a questão das diferenças, é assaz espinhoso tentar caminhar ou conciliar dois conceitos que historicamente tem origens ideológicas distintas. O caminho político mais simples para a esquerda será sempre a defesa da igualdade.
Outro perigo na tentativa de conciliar o binômio igualdade/diferença está na necessidade de uma análise profunda que leva a maior intelectualização, necessária para explicar como o respeito às diferenças não deve acarretar em aceitação das desigualdades, o que pode interferir na ação política militante, além da confusão conceitual que se possa causar. Exemplo dado é o caso de geneticistas não racistas; na busca por negar o “racismo biologizante acabam, volta e meia, prisioneiros do individualismo monádico e universalista”, isto é, acabam por se enveredar em uma armadilha conceitual engessada, fruto do binômio igualdade/diferença; por um conceito excluir o outro, consubstancia-se uma confusão.
A partir daí, a análise observa o ressurgimento do conservadorismo, representado por um discurso que defende o direito pleno das maiorias poderem impor sua hegemonia cultural contra a “miscigenação cultural”, em nome de se manter o “direito de diferenças”, sufocando o direito dos mais fracos.
Em suma, se para a direita a coerência das ideias conservadoras de diferenças são a conditio sine qua non das suas bandeiras reacionárias, da mesma forma a esquerda é herdeira dos ideais da Revolução Francesa como Liberté, Egalité, Fraternité, que no seu cerne, tem a igualdade como a raiz das outras duas bandeiras.

Bibliografia: PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da diferença. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 2(2): 7-33, 2.sem. 1990.

10 comentários:

  1. Acredito eu que a tentativa da esquerda de criar um diálogo com o discurso direitista através do uso de sua própria ideologia como base para um discurso de esquerda seja a produção dos elementos necessários pela direita para o enfraquecimento do discurso esquerdista. Incorporar o conceito de diferença, enraizado na sociedade conservadora, ao discurso defensor da igualdade torna-se uma cilada pois,sem uma análise profunda do contexto em que vão se aplicar e dos conceitos de igualdade/diversidade utilizados, a assimilação desse discurso se apresenta como ambígua. Reside neste ponto a cilada descrita pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Penso que é válido destacar que a semelhança no discurso conservador de integrantes da população inglesa em 1940 com o discurso conservador de cidadãos paulistanos na década de 1980 se da principalmente pelo fato de que, mais do que uma forma de governo, a direita articula uma concepção de sociedade e um modo de sociabilidade, ou seja, muito mais do que conservação política, as idéias de direita visam uma conservação social, onde a assustadora semelhança ressaltada pelo autor Antônio Flávio Pierucci reside no fato de que o anseio por conservação social da direita, consideradas as devidads diferenças culturais e regionais, manifesta-se de maneira semelhante nas sociedades ao longo dos tempo.

    ResponderExcluir
  3. a partir do momento em que a esquerda tenta argumentar sobre a igualdade porem usando a diferença como no caso da SEARS acima citado, ela acabando entrando em uma cilada, pois como é possivel averiguar no texto, o próprio autor no diz que o discurso que a esquerda faz atacando as diferenças só era possível no ambiente academico, que fora dele as pessoas não teriam instrução suficiente para entender e argumentar sobre o que se estava sendo discutido.
    Isso mostra o quanto o pensamento de diferença esta incorporado na sociedade não só aos conservadores mais na sociedade como um todo, dado o exemplo no texto de uma senhora paulistana, que diz que nunca poderia ser comparada a um vagabundo pois ela teria trabalhado a vida toda.

    Francisco da Costa Gagliardi 4HD

    ResponderExcluir
  4. Creio que a análise dos discursos que lutam contra o preconceito podem ser melhor entendidos e melhor utilizados se nos atentarmos para as "ciladas" que eles nos trazem. Quando a esquerda se apropria da enfase pela diferença, proveniente da direita conservadora, ela dá respaldo a própria direita o que gera inclusive um maior distanciamento entre os indivíduos dentro da sociedade. Por outro lado, se os grupos que combatem os preconceitos se utilizam de um discurso que enfatiza a igualdade, sem considerar as diferenças, correm o risco de serem interpretados como omissos, por não incluir as singularidades das diversas "tribos" em suas reivindicações. Talvez a melhor saída seja construir os discursos de combate ao preconceito com na base no conceito de pluralidade, onde podemos trabalhar com a busca pela igualdade valorizando as singularidades. No entanto, mesmo assim é necessária muita cautela, para que não apareçam novas "ciladas".

    Luiz Carlos da Silva - 4º ano História Diurno

    ResponderExcluir
  5. A partir da analise do tema em questão chegamos a conclusão que; ou construímos um discurso a cerca da igualdade entre os homens levando como ponto central o fator humano e não fator racial, sexual , religioso, etc. Para assim existir um discurso solido a respeito da igualdade entre os homens independente de qualquer diferença proveniente dos mais diversos fatores.
    Ou caso tentemos construir um discurso pro minorias pautando em si as diferenças entre os homens acabamos por entrar em uma armadilha teórica argumentativa, pois mesmo que bem intencionados acabamos por legitimar as diferenças.

    Allan Felipe da Silva 4º H/D

    ResponderExcluir
  6. A teoria de Pierucci é clara e muito cara ao nosso modelo politico atual: o contraste entre a direita e a esquerda em relação à diferença se realiza pelo fato de que, para a segunda, não há razão em se optar ou pela igualdade ou pela diferença. Supõe-se, inclusive, nos meios intelectualizados de esquerda, que a desigualdade nada tenha a ver com a diferença. Para Pierucci, é nesse ponto que reside o equívoco que constitui uma das "ciladas" da diferença: a crença de que a defesa da diferença possa se desvincular das relações de valor que fundamentam a desigualdade. A partir do antropólogo Luis Dumont, o autor demonstra que não há como enfatizar a diferença sem afirmar ao mesmo tempo uma distinção de valor. Por essa razão, anunciar a condição de "diferentes, mas iguais", ou de "igualdade na diferença" é correr o risco de eleger uma luta possível mais no discurso do que na realidade. Nesse sentido, a conclusão do autor é que anunciar o "direito à diferença" é uma postura mais coerente na direita do que na esquerda política.
    Wendell Blois 4ºH/N

    ResponderExcluir
  7. Acho interessante notar que o autor chama atenção para o fato de que o conservadorismo, independente do contexto histórico em que pode ser encontrado, possui características parecidas. O autor não é historiador e, portanto, não tem a preocupação de estabelecer recortes temporais. Entretanto, penso ser pertinente essa forma de análise, pois pelo que compreendi do texto, o conservadorismo político teria surgido após a Revolução Francesa, numa tentativa de manter valores tradicionais, contra os quais a Revolução teria se insurgido. Os valores que o conservadorismo desse período buscava manter estavam muito ligados à tradição escolástica, segundo a qual deus teria criado o mundo de maneira a hierarquizar o próprio universo, e estabelecendo funções específicas a cada parte constituinte desse universo. Essa tradição defendia que, sendo a própria natureza hierarquizada, por que não o seria a humanidade? Isso aparece, na Idade Média e no Antigo Regime, como justificativa para a sociedade na forma como se organizava até então (de maneira hierárquica mesmo perante as legislações vigentes). Assim, parece-me que o conservadorismo, segundo aponta o autor, ao defender a desigualdade, parte ainda dos mesmos valores empregados nas sociedades de Antigo Regime, como o fato de acreditarem que a desigualdade é algo natural. Nesse sentido, apesar de não levar em conta os diferentes contextos históricos das manifestações conservadoras, parece pertinente a afirmação do autor de que tais manifestações possuem traços comuns, pois se baseiam sempre nas mesmas premissas e argumentos para fundamentar seu discurso.

    Vitor Terassi Hortelan

    4º ano de História diurno

    ResponderExcluir
  8. Este texto é de extrema importância para nos não nos alimentarmos de possiveis desagrados com as nossas temáticas. No caso as lutas empreendidas pela esquerda podem ser levadas a uma cilada se não refletidas dentro do contexto histórico atual. Parece-nos muito particular assimilar que a desrespeito, agressão e abusos. E há, só que não pode ficar somente nesses termos, deve-se alinhar as atitudes as teorias, e as teorias as atitudes. Já que o homem é um sujeito histórico ( então o façamos ). Para não cair na cilada de achar que tudo é relativo.

    Marcos Paulo Rocha Fernandes
    4º Ano História

    ResponderExcluir
  9. Conforme elucida Antônio Flávio Pierucci em seu texto "Ciladas da Diferença", o que se percebe, de acordo com sua própria comparação estabelecida, são as contradições existentes dentro da própria esquerda que acabariam levando à uma 'cilada'. O racismo apontado pelo autor, seria o 'trunfo' da direita para exaltar ainda mais a diferença, conseguindo delinear um espaçamento, um distanciamento.
    Essa não aceitação e esse distanciamento percebe-se claramente na entrevista feita a Dona Mariauta de 58 anos, pertencente à um bairro de classe média baixa de SP:
    "“Iguais?! Que que há, está me estranhando? Fazer o quê?, a vida é assim, azar! Tratar como nosso irmão?! Eu trabalhei
    quarenta anos, não posso ser irmã de vagabundo. O que é isso, está me confundindo por quê, agora? Porque negro é isso... Todo mundo
    sabe que há racismo, sempre houve e vai haver até ofim da morte, amém. Negro é negro, branco é branco, azul é azul, vermelho é
    vermelho. E preto é preto. Não vem que não tem. Essas demagogias é bom é em época de eleição. Isso é demagogia, isso é falsidade, isso
    é falta de religião católica apostólica romana.”
    A direita, utilizando-se de discurso ideológico, elucida o "Direito à Diferença", ocasionando à esquerda um 'beco sem saída'.
    Conclui-se então, que a cilada é ocasionada pela esquerda para a própria esquerda, e que o diálogo estabelecido pela direita acaba direcionando o discurso ideológico e acentuando a desigualdade o racismo.

    Bruna Gomide de Oliveira - 4º ano de História Diurno

    ResponderExcluir