segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Os Reis do Congo

Antônio Montenegro Fernandes
José Paulo Corrêa
Leonardo Stockler
Marina Pontin

    A simbologia da festa e do ritual estabelecem vínculos duradouros entre o cotidiano vivido pelos negros no Brasil e as estruturas políticas africanas. Esses signos articulam os indivíduos ao redor de uma cultura compartilhada garantindo a eles noções de comunidade e identidade. Essa “ontologia” depende, portanto, da linguagem na qual se expressam determinados signos, tais como os reis e rainhas (elementos de uma certa ordem social passada) representados em suas festas: congada, maracatu, quilombo etc. Trata-se de um ritual de memória e de construção da memória.
    A tese de Elizabeth W. Kiddy contrapõe-se à historiografia tradicional que procurara tratar das culturas afro-americanas como sendo mais ou menos puras. Ao passo que a cultura centro-africana no século XVII já se “combinara significativamente” com a européia, na América e no Brasil haverá uma mistura da mistura reafirmando a dinâmica dos traços culturais africanos importantes em uma tradição de adaptação. É a sua tradução cultural que a mantém viva.
    A cultura afro-brasileira, neste sentido, enraíza-se na cultura centro-africana ao longo da transformação da coroação dos reis negros nas festividades para a coroação dos reis do Congo, ajudando-os a “reconstruírem e recriarem uma cultura política e religiosa derivada da África”. A figura dos reis será comum nas colônias euro-americanas e sua função desempenhada será fundamental para a cultura e para a cosmovisão dos afro-americanos posicionando-se enquanto um poder político e econômico.
    O  catolicismo foi muito compatível com as intenções ritualísticas afro-brasileiras, garantindo, de certa forma, espaço para que florescessem. A coroação dos reis do Congo dependeria, assim como as festividades do candomblé, do espaço garantido pelas irmandades religiosas, tais como a Irmandade do Rosário, responsável pela agremiação de diferentes etnias negras, produzindo uma composição étnica bastante heterogênea.
    Com o aumento da população de negros as autoridades regionais começaram a se preocupar com as nomeações. Certos reis que haviam sido nomeados, de fato reivindicaram para si o posto de líderes comunitários e efetivaram ações contra o sistema de escravidão e contra a ordem estabelecida. Nos quilombos os reis também haviam sido nomeados. O medo de que tais nomeações causassem uma fratura na coesão social fez com que em alguns lugares elas fossem proibidas. Contudo, sua prática não cessou de fato e perdura até hoje.
    Com o tempo o termo “rei do Congo” tornou-se comum e passou a se referir a negros de diferentes etnias, que não provinham necessariamente do Congo. Durante toda a existência das festas, os rituais contaram com elementos brasileiros e africanos, cristãos e pagãos, exemplo da síntese cultural e sincretismo religioso. 

9 comentários:

  1. Parece algum tipo de senso comum de que as culturas africanas presaram por se manterem puras depois do contato com o branco europeu, sendo que os escravos lutavam das formas que podiam para que sua cultura se mantivesse virgem. No entanto, seguindo a ideia do texto, a própria cultura centro-africana já encontrava-se misturada com a cultura europeia, sendo que a cultura dos escravos já era um misto, mesmo antes deles serem trazidos à América.
    É nesse sentido que se encaixam as Festas do Rei do Congo. Era nos espaços deixados pela cultura católica branca que são realizadas tais festivais. Dessa maneira, eles representam uma forma de resistência da cultura negra, mas não específica, no sentido que com o passar do tempo "rei do Congo" se tornou um termo geral, que não mais se referia a descendentes de tal etnia. Também o nomeado "rei" adquiria caráter de líder comunitário, o que de certa maneira causava medo nas autoridades.

    Rafael de Castro Hirabahasi (4º ano - Diurno)

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  2. Assim como João José Reis, Kiddy analisa uma determinada festividade negra. Porém, enquanto Reis estabelece níveis de africanidade para os festejos negros, a autora encara a cultura produzida no Brasil pelos escravos como híbrida: uma mistura de elementos africanos e brasileiros. Diferente de Kiddy, Carlos Calado no livro o Jazz Como Espetáculo (1990) vê nas coroações dos reis de Congo um auto grau de manutenção de traços africanos. Para este autor tal ritual- que englobava música, dança e representação- se estetiza gradativamente, transformando-se em danças mais dramáticas como o maracatu ou as congadas, dando início, já no século XX, ao samba.

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  3. Não se pode pensar na cultura centro-africana como "pura" uma vez que ela já havia se misturado com a cultura européia anteriormente a chegada dos escravos no Brasil.
    Por conta dessa "mistura" fez-se sempre, para o negro, a necessidade de se afirmar, de se diferenciar etnicamente das outras nações e uma das formas de se concretizar essa diferenciação eram as festas dos Reis do Congo.
    Como tudo o que é externo é considerado ameaça, ainda mais com a configuração social baseada na exploração dos escravos, é comum que as manifestações fossem consideradas, pelos brancos, como reuniões de escravos revoltosos (até porque o Rei do Congo recebia o título de líder). Com a leitura do texto percebe-se que as coroações eram mais um espaço de dança e festividades, bem como de diferenciação e resistência da cultura negra diante do grande sincretismo ocorrido com o catolicismo, e não um espaço de articulação de revoltas.

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  4. Na tentativa de exaltar a participação negra na sociedade brasileira tentou-se buscar uma origem pura da cultura negra africana, para a partir dela reforçar a identidade negra no Brasil. No entanto, estudos como os levantados por Elizabeth Kiddy demonstram justamente que antes de chegarem ao Brasil, as etnias africanas já haviam sido mescladas pelo contato com os europeus. Chegando aqui, na tentativa de manter o que realmente se apresentava como elemento puro de cultura, as festas de Rei do Congo eram o momento de celebração negra -de modo geral, já que não representavam apenas as etnias do Congo.
    Essas celebrações apresentavam características interessantes: sua legitimação, por parte dos senhores de escravos. se dava a partir do entrecruzamento do Rei do Congo com o catolicismo. Por parte dos escravos, essa ligação com a religião de Cristo era necessária para que as celebrações fossem permitidas, celebrações essas que para eles eram mais do que isso: eram um manifestação com ares de revolta. Além disso, muitas das vezes o eleito Rei do Congo não representava apenas uma figura alegórica, mas sim uma função politica.

    Luiz Carlos da Silva - 4º ano Diurno

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Um ponto importante colocado por Elizabeth W. Kiddy é sobre o papel das irmandades. Pois, estas possibilitavam a ação do negro na sociedade. Festas de coroação de reis, procissões e enterros, dentre outras manifestações, eram possibilitadas pela união em irmandades. Porém, é necessário problematizar uma certa "compatibilidade" entre o catolicismo e a cultura negra que permeia o texto de Kiddy. Ora, é necessário ter cautela ao pensar a questão das festas e manifestações ritualísticas africanas segundo esses termos. Pois, pode-se passar a impressão de que a religião católica aceitava sem muitos questionamentos esse tipo de religiosidade, e que ela de certa maneira cooperou para o seu desenvolvimento em terras brasileiras. Necessário é considerar os conflitos, e a visão de exotismo aplicada às manifestações dos negros; assim como o lugar destinado durante as festas às manifestações dos negros. Outra questão que deve ser pensada é a que reflete o desenvolvimento da cultura negra no Brasil como um processo de "adaptação". Ora, pode-se pensar a adaptação necessária de diferentes culturas em diferentes lugares (como o exemplo dado por Gilberto Freyre em "Casa Grande e Senzala" a respeito da plasticidade do português e sua fácil adaptação as diversas culturas), porém, o cuidado com esse termo deve-se a questão de que ele gera a sensação de que tudo se deu de maneira "natural", como se as dificuldades e conflitos fossem menores do que o "resultado" obtido: uma "síntese cultural".


    Jéssica Abud de Souza - 4º ano HIstória -Matutino

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  7. Assim como discutimos em sala de aula, Elizabeth Kiddy não consegue, pelo menos nesse texto, resolver o problema que ela mesma criou. O conceito por ela criado de "tradição da adaptação" me parece uma categoria ad hoc. Do tal problema poderíamos destacar em particular a maneira ambigua com que a autora se posiciona sobre o problema da cultura afroamericana: em outras palavras, até que ponto a síntese e o hibridismo cultural que se sucedeu no espaço americano constituiu de fato uma cultura original (o que em minha opinião é o mais provável) e até que ponto a cultura afroamericana manteve sua herança, seus laços e raízes com o continente africano (a coroação dos "Reis do Congo" seria um exemplo desse fenômeno)?
    Creio que talvez seja possível encontrar um ponto de intersecção entre as duas alternativas. Tais heranças sobreviveram a cinco séculos de colonização, adquirindo novos contornos e novas cores, adaptando-se ao novos espaços e, ao mesmo tempo, mantendo um laço relativamente sólido com o imaginário e com a memória provenientes da África.

    Leonardo Stockler - 4ºHD.

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  8. Podemos perceber ao ler o texto da Elizabeth Kiddy, de que a "Festa do Rei do Congo" tinha representações e significados distintos tanto para os negros quanto para os católicos.
    Como afirma Kiddy, no inicio O rei do Congo tornou-se, para os católicos, o simbolo máximo da conversão africana ao cristianismo. Os africanos, quando se converteram, entendiam o cristianismo como uma extensão natural do seu próprio ritual de poder, usando-o para fortalecer suas posições politicas na região. O rei e o povo do Congo viam o cristianismo como um novo meio e como uma serie de novos símbolos para expressar as crenças tradicionais da África Central.
    Quando as festas forma implementadas na América, elas ainda continuaram a ter esse duplo sentido.

    Victor Harabura de Freitas 4º História Noturno.

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