segunda-feira, 12 de novembro de 2012

“O que o rei não viu”: música popular e nacionalidade no Rio de Janeiro da Primeira República


João Matheus Sampaio
Silas Rodrigues Machado

Em “O que o rei não viu: música popular e nacionalidade no Rio de Janeiro da Primeira República” Letícia Vidor de Souza Reis acompanha o processo de legitimação do samba durante as três primeiras décadas do século XX e sua construção enquanto identidade nacional. A autora busca compreender de que forma o samba, uma manifestação cultural popular e de origem negra, que foi equivocadamente entendida pela elite da época como um elemento externo, pode persistir e gradualmente se legitimar e se estabelecer como um símbolo nacional em meio a discursos Darwinistas sociais, progressistas e de urbanização.
Um dos pontos principais do Argumento de Souza é a crítica ao livro O mistério do samba de Hermano Viana que segundo a autora não se atenta ao debate cientifico racial da época onde a miscigenação era tradada como um sinal de degeneração. Souza busca na compreensão de Hobsbawm de que uma Tradição é inventada e leva um caráter político para se contrapor a tese de Viana de que o samba se estabelece e se legitima por meio de agentes que promoveram seu “intercambio” social.
Para exemplificar a cisão social provocada pela reforma Urbana sofrida pela cidade do Rio de Janeiro em princípios do século XX a autora recore ao relato de Olavo Bilac que ao presenciar um “carroção” na avenida principal rumo a festa da penha classificou o incidente como um “monstruoso anacronismo, a ressurreição da barbárie”.O relato nos mostra o ataque claro as tradições culturais negras. Apesar disto essas tradições estabelecem uma relação ambígua com as elites. Se no publico elas são combatidas, no privado são toleradas, apreciadas e seguidas.
Não são raros os casos de figuras políticas que se curaram de enfermidades em casas de “tias” baianas, de conjuntos de maxixe que tocavam em festas da alta sociedade e de cavalheiros de distinta posição social que frequentavam casas de samba.
Com isso a modernidade deixa escapar algumas brechas que possibilitam uma ascensão Social das classes populares. Souza procura entrever como através da musica alguns agentes dessas classes se utilizam dessas brechas e firmando alianças ampliam seu espaço social e político.
Um ponto importante que se deve esclarecer a fim de se evitar um equivoca na interpretação do artigo é o do significado da palavra samba que no texto se remete para além da concepção de gênero musical que fazemos hoje, abarcando em seu termo praticas religiosas, danças e diferentes ritmos musicais.
A autora também aponta a rivalidade entre os grupos de sambistas de um lado descendentes de nordestinos do outro os cariocas, em clássica disputa pela “verdadeira origem” do samba.
Um exemplo disso é a disputa autoral entre Donga e Sinhô da musica Pelo telefone, que serve também para nos mostrar uma lógica nova, a da autoria dos sambas, até então deixado de lado pelos sambistas com autorias desconhecidas ou até coletivas, lógica essa trazida pela recente formação de um mercado para uma cultura de massa, proporcionado principalmente pelo radio e pelas novas gravadoras que se surgiam.

Referência:

O samba e a formação de uma identidade mestiça no Brasil. Texto: REIS, Letícia Vitor de Sousa. “O que o rei não viu”: música popular e nacionalidade no Rio de Janeiro da Primeira República. Estudos Afro-Asiáticos; volume 25, número 2, 2003, p. 237-279.
Link:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-546X2003000200003

11 comentários:

  1. Arthur Jorge Dias de Morais Coelho - Quarto Ano - Noturno20 de novembro de 2012 às 20:21

    Interessante notar que Olavo Bilac, como parnasiano, não fez pouco apenas de manifestações culturais como o samba, mas também desdenhou da obra de Augusto dos Anjos, poeta que hoje em dia é consagrado.
    A problematização do termo saba trazida pelo texto de Sousa é interessante é muito instrutiva para o assunto, pelo que consegui entender o termo vai além de um simbles estilo musical, abarcando religiões e outras práticas culturais. O que não ficou muito claro é se essa denominação constitui um "tipo ideal" que a autora utiliza para desenvolver a sua pesquisa ou se o termo "samba" realmente vai além de um simples estilo musical.
    O texto também nos demonstra uma pesquisa em que se coloca em pauta o desenvolvimento de um estilo que se refere a cultura popular através de uma sociedade que o negou com base em teorias raciais - cientificistas do século XIX, ficou a impressão de que a autora utiliza padrões teóricos e metodologicos que remetem a Thompson e Ginzburg, pois o texto parece opor-se a idéia de que a cultura de uma sociedade é conduzida pelos representantes do alto intelectualismo.

    ResponderExcluir
  2. É interessante notar como no comentário acima, a problematização do termo "samba" como abrangendo bem mais do que apenas um estilo musical. Ainda hoje muitos estilos musicais tipicamente brasileiros ainda se referem a comportamentos e religiões. Em geral esses estilos, no início de sua prática, referem-se apenas as classes populares ou a membros da elite. Ainda assim, a sociedade como um todo adere a esses estilos de múltiplas formas, sendo que muitos membros de determinados grupos opõem-se a esses estilos ou nutrem preconceitos contra os mesmos, sem que isso faça com que eles caiam em esquecimento. Desse modo a autora captou a dinâmica específica que em geral pertence a gestação de novos estilos e práticas culturais em uma sociedade cuja a marca é a miscigenação.

    ResponderExcluir
  3. Texto muito interessante, que fez refletir sobre e como tanto na politica brasileira e no convívio social o privado e o publico eram constantemente confundidos também demonstrando que quando muito interessava, figurinhas importantes interferiam a favor dos sambistas, sendo que alguns "ricaços" como Duque levou o grupo Os 8 batutas, numa turnê pela França causando um "racha" na opinião entre intelectuais e jornalistas se o Brasil estaria bem
    representado pelos músicos que eram todos "pardos" que utilizavam de instrumentos rústicos que fazem uma algazarra e que essa não seria a verdadeira musica brasileira.
    Vejo essa confusão como que foi determinante para que o "negro" tivesse minima participação politica no Brasil do começo do seculo XX


    Carlos Eduardo Pupin de Figueiredo 4° ano diurno

    ResponderExcluir
  4. Mesmo sendo comum recorrer às "tias baianas" em casos extremos, assim como não era raro o aprecio da alta sociedade pelo maxixe ou sua frequência nas casas de samba, havia uma distinção muito clara entre as duas culturas, "popular" e "erudita", que se manifestava, por exemplo, na divisão das casas de samba onde sambas-canção eram interpretados por membros da elite enquanto no quintal rolava um samba mais batucada, ou o famoso "samba do morro". Discordo ainda que a "modernidade" (talvez em nome do mercado fonográfico) tenha aberto brechas para uma ascensão social da "classe popular sambista" uma vez que praticamente todos os precursores deste gênero venderam suas músicas (isso quando sua autoria era reivindicada, o que por vezes nem ocorria)à preço de pinga para serem reconhecidos apenas décadas mais tarde, à exemplo de Cartola ou Ismael Silva.

    Antônio Montenegro Fernandes 4º Diurno

    ResponderExcluir
  5. Também acho interessante destacar o movimento música da popular x urbanização que aconteceu não somente no Brasil. O jazz nos EUA, o tango na Argentina, o Flamenco na Espanha foram todos expressões de uma minoria que ganharam 'adeptos' a partir da urbanização e da modernidade. Concordo com a autora ao criticar Viana, pois o que diferencia esse esse movimento no Brasil é justamente a questão das teorias raciais, demasiadas influentes no final do século XIX e inicio do XX.

    Renan Branco Ruiz
    4º História Noturno

    ResponderExcluir
  6. Rafael dos Santos Andrade28 de novembro de 2012 às 06:28

    Interessante perceber que o fenômeno do samba ocorre quase que simultaneamente com o desenrolar das black music's(blues e jazz), demonstrando certa ascensão cultural dos negros no contexto social de suas nações. Além de demonstrar como os fenômenos da difusão em massa dos produtos culturais, pois, é nesse momento que surge os meios de comunicação em massa e se começam à utilizá-los para a difusão cultural.
    Com essa difusão se vê iniciado o movimento que mais tarde se caracterizaria como "Indústria Cultural", pois, é nesse momento que se começa a ver por esses movimentos musicais e culturais como uma mercadoria, o que é ressaltado no texto desse post no que diz respeito à briga pela autoria musical. Já que no princípio do desenvolvimento do "samba" como um tipo musical essa discussão era trivial, sendo que várias das canções tinham autoria compartilhada ou eram de autoria de grupos.

    Rafael dos Santos Andrade
    4º Ano de História Noturno

    ResponderExcluir
  7. Vale destacar também o caso do grupo de samba convidado para uma turnê na França. Evidentemente que essa situação foi mal vista pela elite brasileira, que pretendia passar uma imagem diferente do Brasil: moderno, civilizado, portador de uma cultura erudita e aos moldes europeus. Entretanto, a música apresentada revelava um aspecto importantíssimo da cultura popular brasileira, que em breve seria reconhecida dentro do próprio país.

    Marcos Felipe Godoy - Diurno

    ResponderExcluir
  8. Tanto o samba como a capoeira no caso brasileiro foram marginalizados e até em um certo período proibidos legalmente no Brasil, isso nos mostra como a cultural de origem negra eram perseguidas, mal vistas, pela elite da sociedade brasileira da época, porem como se pode perceber com a leitura do texto, essa certa negação pela cultural popular por parte da elite era somente enquanto eles estavam na presença de outras pessoas ilustre, pois no seu particular quando estava sozinho ouvia, ou mesmo procurava a ajuda de "benzedeiras".
    Podemos relacionar com o blues e a musica negra americana que no seu principio era marginalizada, pela sociedade branca da época e com o passar do tempo foi sendo aceita e hoje se tornou um item exportado pela cultura norte americana .

    Francisco da Costa Gagliardi

    ResponderExcluir
  9. Um ponto determinante no processo de legitimação do samba como música popular e que ainda é muito pouco estudado é o papel da mídia, neste caso especialmente o rádio. Este importante meio de comunicação veio “amplificar” a voz do samba , como o próprio texto diz, sendo a partir da década de 30 sua consolidação como instrumento de comunicação de massas e que teria parte na forma como o samba foi introduzido, divulgado e consolidado. Penso até sobre a possibilidade, no caso da ausência do rádio, de não ter sido o samba se este meio de comunicação tivesse surgido mais tarde.

    Wender Túlio de Paula
    4º Ano História Diurno

    ResponderExcluir
  10. Também é interessante o combate interno que se deu ao samba, acusado de ser elemento que denegria e que fazia a cultura e sociedade tender para o atraso, ao passo que externamente, o samba era visto como exótico e existia um incentivo para que bandas brasileiras viajassem pela Europa em turnês, tocando nas principais cidades europeias. Tais grupos, internamente, por serem composto por negros e mulatos, eram vistos como símbolo do atraso da sociedade brasileira.

    ResponderExcluir